O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, tomou uma decisão considerada inédita e polêmica ao retirar para análise pessoal um processo que poderia incluir a JBS Aves, unidade de aves do frigorífico JBS S.A., na “lista suja” de empregadores responsabilizados por submeter trabalhadores a condições análogas à escravidão. A medida, confirmada por documentos obtidos pela agência Reuters, surpreendeu fiscais do trabalho e especialistas jurídicos, que apontam risco de interferência política em um mecanismo consolidado há mais de duas décadas no combate ao trabalho escravo no Brasil.
Entenda o caso
A investigação teve início após uma operação federal realizada em 2023, que encontrou dez trabalhadores em condições degradantes em uma empresa terceirizada contratada para carregar e descarregar cargas em uma unidade da JBS Aves, no Rio Grande do Sul.
De acordo com o relatório dos auditores fiscais, os trabalhadores eram submetidos a jornadas de até 16 horas diárias, sem acesso a água potável, e alojados em condições precárias. Também houve registro de descontos ilegais nos salários, o que impedia que os funcionários pedissem demissão.
Apesar de a JBS ter rescindido o contrato e bloqueado a contratada assim que tomou conhecimento das denúncias, os fiscais concluíram que a gigante do setor frigorífico deveria ser responsabilizada, já que não adotou medidas suficientes de diligência para garantir condições de trabalho adequadas.
O que significa entrar na “lista suja”
Criada em 2003, a lista é um dos principais instrumentos de combate ao trabalho escravo no Brasil. Empresas incluídas permanecem por dois anos sob monitoramento e enfrentam não apenas o desgaste reputacional, mas também a restrição a financiamentos em bancos públicos e privados, que utilizam o cadastro como critério de risco socioambiental.
No caso da JBS, uma inclusão poderia causar efeitos significativos. A companhia é uma das maiores empregadoras do país, com 158 mil funcionários no Brasil. Apenas a divisão Seara, responsável pela JBS Aves, registrou US$ 2,2 bilhões em receita líquida entre abril e junho, cerca de 10% do faturamento total da empresa no período.
O movimento de Luiz Marinho
Após a decisão dos fiscais em 6 de agosto, um parecer jurídico da Advocacia-Geral da União (AGU) concluiu que o ministro do Trabalho poderia avocar o caso, dada a relevância econômica da JBS. O documento ressaltou que a eventual inclusão teria “repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude, com reflexos no setor em nível nacional”.
Na segunda-feira (16), Marinho oficializou a retirada do processo para revisão final pessoal. Trata-se de uma iniciativa inédita em mais de 20 anos de funcionamento da lista suja, segundo auditores e especialistas consultados pela Reuters.
Reações e críticas
A decisão gerou forte reação entre fiscais do trabalho e entidades da área. Em nota, Renato Barbedo Futuro, presidente da Agitra (Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho), classificou a medida como motivo de “profunda estranheza e preocupação”.
Para Livia Miraglia, professora de direito do trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em casos de escravidão contemporânea, a intervenção abre um precedente perigoso:
“Se confirmada, a medida pode encorajar outras empresas a buscar interferência ministerial em situações semelhantes, enfraquecendo um instrumento que foi fundamental para avanços no combate ao trabalho escravo no país.”
O que dizem os envolvidos
Em comunicado, a JBS afirmou que adota “tolerância zero” com violações trabalhistas e de direitos humanos e destacou que suspendeu imediatamente a contratada envolvida assim que recebeu as denúncias.
Já o Ministério do Trabalho limitou-se a declarar que o processo está em andamento e que os recursos apresentados pela JBS seguem em análise. A AGU também não se manifestou sobre o caso até a última atualização.
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