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Um ano após assassinatos brutais de Bruno e Dom, comunidades indígenas e ribeirinhas lutam por justiça e sobrevivência na Amazônia


Reportagem da AP volta à região onde o indigenista Bruno Pereira e jornalista Dom Phillips foram assassinados no ano passado. Vigília realizada em São Paulo no dia 23 de junho para homenagear Bruno Pereira e Dom Phillips.
Carla Carniel/Reuters
Há um ano, numa tarde de sexta-feira, Bruno Pereira, um especialista em assuntos indígenas, e Dom Phillips, um jornalista britânico, navegavam pelo rio Itaquaí, no extremo oeste do Amazonas, em direção à comunidade de Ladário. A linha de casas de madeira aqui marca uma fronteira — entre o Território Indígena do Vale do Javari, na Amazônia, e o mundo não indígena.
Eles foram recebidos por um homem que todos conhecem como Caboclo. A relação de Pereira com essas comunidades ribeirinhas costumava ser tensa. Ele era o principal funcionário da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) na região, e membros dessas comunidades frequentemente invadiam terras indígenas para caçar e pescar. Ele lutou contra isso, confiscando equipamentos de pesca.
Mas Pereira buscava uma abordagem diferente. Ele estava de licença do governo, ajudando a construir meios de subsistência alternativos nessas comunidades remotas e marcadas pela pobreza.
“Eu disse a Bruno que, até o final do mês, colheria 700 cachos de bananas. Ele disse: ‘Vou a Brasília e volto com uma solução para você vender bananas’”, disse Caboclo à Associated Press.
Mas Bruno não voltaria. Dentro de 48 horas, ele e Phillips seriam emboscados e baleados, seus corpos queimados, esquartejados e enterrados numa sepultura rasa no rio.
À medida que o aniversário de um ano dos assassinatos se aproxima, a Associated Press voltou ao Vale do Javari para descrever o pano de fundo em que o caso ocorreu.
Caboclo, que sustenta cinco filhos, não encontrou um novo mercado para sua safra de bananas. Em vez disso, a Polícia Federal o acusou de participar de pesca ilegal e o levou para uma prisão controlada por gangues criminosas. Caboclo admite que já pescou ilegalmente no passado, mas afirma que parou de fazer isso há anos.
Maria de Fátima da Costa, mãe de Amarildo da Costa de Oliveira, que confessou os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips,.
AP Photo/Fabiano Maisonnave
Ele passou 124 dias na prisão sem ter um julgamento, o que seu advogado, Mozarth Bessa Neto, disse ser ilegal.
Rio acima, a comunidade de São Gabriel é composta por algumas casas de madeira, sendo que cinco delas estão vazias. Lá, um repórter da AP encontrou Maria de Fátima da Costa, 60 anos, com água pelos joelhos no rio, limpando uma tábua de madeira.
Amarildo da Costa de Oliveira, um pescador que confessou os assassinatos e está preso, é seu filho. Ela concorda que ele deve pagar pelo que fez, mas chora ao relatar que seu outro filho, Oseney da Costa de Oliveira, também foi acusado nos assassinatos, algo que ele nega. Ele também está preso desde então.
“Ele é inocente. E sua casa está abandonada, sua família está abandonada, tudo está desmoronando”, disse ela, com lágrimas nos olhos.
A AP enviou solicitações à Polícia Federal, mas não obteve resposta.
Laurimar Lopes Alves, o Caboclo, posa para foto com a família em sua casa em Benjamin Constant, no Amazonas.
AP Photo/Fabiano Maisonnave
Não há eletricidade nem encanamento em São Gabriel, embora o governo tenha prometido que as coisas seriam muito diferentes aqui.
Essas comunidades ribeirinhas datam da era da borracha, que começou no final do século XIX. O declínio do setor deixou milhares de famílias na pobreza em toda a região amazônica.
Muitos descendentes de seringueiros se voltaram para a extração de madeira, mas quando as terras indígenas foram legalmente reconhecidas em 2001, eles não podiam mais entrar nessas florestas.
Em 2011, o governo federal criou um projeto de reforma agrária que, no papel, parecia promissor: 71.000 hectares de floresta (175.000 acres), onde comunidades tradicionais não indígenas podem pescar e colher. Era para trazer energia elétrica, linhas de crédito rural e auxílio para pesca manejada e cultivo de açaí.
Mas isso não aconteceu. Nos doze anos seguintes, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, ou Incra, destinou apenas 25 mil reais para o assentamento de cinco famílias.
A ausência do governo é tão profunda aqui que Martins dos Santos, de 81 anos, que fundou a comunidade São Gabriel, não sabia que morava em um assentamento oficial até ser informado pela AP.
O caso Bruno e Dom
Amarildo da Costa de Oliveira não foi o único a confessar os assassinatos. Outro pescador, Jeferson da Silva Lima, também confessou e está preso aguardando julgamento.
Amarildo afirma que policiais militares o sufocaram com um saco plástico para conseguir sua confissão. Documentos de um exame médico da época mostram que os dois irmãos tiveram ferimentos leves após serem presos pela polícia do estado do Amazonas. O departamento não respondeu às perguntas da reportagem.
O empresário colombiano Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, é acusado de ser o mandante do crime e também está preso. Ele financiava pescadores que se aventuravam em terras indígenas em viagens que podiam durar semanas.
Indígenas navegam pelo rio Itaquaí em busca do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, em junho de 2022.
AP Photo/Edmar Barros
Algumas pessoas dizem que o crime também expôs o quanto a Funai foi desmantelada sob o governo Bolsonaro, que por muito tempo se opôs ao próprio conceito de direitos territoriais indígenas.
Sentindo essa pressão em seu trabalho na Funai, Pereira pediu licença e trabalhava como assessor da Univaja, entidade que promove a articulação dos povos indígenas do Vale do Javari, quando foi assassinado. É uma área aproximadamente do tamanho de Portugal e abriga a maior população mundial de grupos indígenas isolados.
A intenção de Pereira de que as comunidades elevem seu padrão de vida por meio de atividades legais permanece uma realidade distante agora.
Recentemente, uma associação local de pescadores relatou que a polícia estava usando táticas duras contra eles e conseguiu obter assistência jurídica federal gratuita. A polícia e outros funcionários “estão a entrar nas casas sem mandado e confiscando artefatos de pesca sob a justificativa de que pertencem a pescadores ilegais. Nem todos os pescadores são criminosos, mas estão sendo tratados como tal”, afirmou.
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