• New Page 1

    RSSFacebookYouTubeInstagramTwitterYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTube  

    Social - Repositório

Plataformas podem manipular serviços para favorecer conteúdo político favorável?

Nas últimas semanas, surgiram alegações de que o Telegram direcionou mensagens opositoras ao PL 2630/2020 por meio de seu canal de suporte. Além disso, o Google supostamente veiculou uma mensagem em sua página de pesquisa contra o mesmo projeto, enquanto Facebook e Twitter foram acusados de favorecer conteúdos contrários ao PL, privilegiando vozes dissidentes.

Isso nos leva a questionar: as plataformas, detentoras dessas mídias digitais, teriam o direito de manipular a distribuição de conteúdo através de algoritmos e interface de usuários para seu próprio benefício? A resposta é não, devido à neutralidade de rede e à lógica jurídica da liberdade de expressão.

O caminho da neutralidade de rede

O Brasil promulgou, em 2014 e 2016, o Marco Civil da Internet (MCI) e o Decreto do Marco Civil da Internet (DMCI), que estabelecem o Princípio da Neutralidade de Rede. Esse princípio assegura que todas as informações transmitidas pela internet sejam tratadas de maneira equânime, sem discriminação, proporcionando um acesso justo e livre aos conteúdos e serviços online para todos. Portanto, as operadoras de telecomunicações não podem firmar acordos com provedores de serviços para favorecer determinados fluxos de dados.

Ilustrando: o TikTok não pode firmar um acordo com a Claro para ter tráfego prioritário em detrimento de um competidor, como Instagram, ou mesmo qualquer serviço.

A ideia que fundamenta este princípio é clara: os provedores da infraestrutura (neste caso, as empresas de telecomunicações) não devem explorar sua posição para obter vantagens sobre aqueles que dependem dessa infraestrutura (as redes sociais). Esta lógica se aplica a todos, incluindo empresas e usuários.

Este mesmo princípio foi aprovado nos Estados Unidos e na Europa, facilitando a ascensão das empresas de internet a gigantes do setor. Protegia-as de possíveis extorsões por parte das grandes empresas de telecomunicações, potencializando a pujança das empresas de tecnologia e evitando que as telecoms extraíssem valor ou limitassem o crescimento dessas empresas. Esta regra fortalece a competitividade e evita uma concentração econômica imprópria.

Os efeitos desses princípios têm sido bastante benéficos para os consumidores. Na Holanda, em 2015, ao se aplicar a regra europeia de neutralidade de rede, interpretou-se que a prática de dados gratuitos (chamada de zero-rating) seria uma violação da neutralidade de rede. Este entendimento levou à proibição do zero-rating, aumentando a competitividade entre as operadoras. Curiosamente, essa proibição aos dados gratuitos resultou no aumento da franquia de dados para os consumidores, que se beneficiaram da competição mais acirrada entre as telecoms.

Neutralidade em camadas

No entanto, a situação no Brasil é distinta. Aqui, a popularidade do WhatsApp, que atinge quase a totalidade da população brasileira, pode ser atribuída à regulação frouxa da neutralidade de rede. Apesar de o princípio ser estabelecido em lei e decreto, sua aplicação foi flexibilizada em razão do lobby e negligência da Anatel.

Mesmo assim, a neutralidade de rede continua sendo um princípio válido e inquestionável no país. É por meio da lógica da neutralidade de rede que as plataformas não devem, e não podem, interferir na distribuição de conteúdo para se beneficiarem.

A internet opera em diversas camadas, desde o conteúdo até os protocolos e a infraestrutura física. A neutralidade de rede não se limita a uma única camada, mas governa a rede como um todo.

A informação que trafega nessa rede, que chamamos de “conteúdo”, são os vetores de nossa comunicação. É por meio deles que exercemos nossa liberdade de expressão e outras liberdades fundamentais, como a de associação e o acesso à informação. A internet como um todo, incluindo as camadas de provedor (e conteúdo), é um meio de exercício de liberdades fundamentais.

Se a estrutura da rede deve ser imune aos interesses econômicos, é lógico que ela também deve ser protegida contra possíveis interesses políticos que os operadores dessas plataformas possam tentar implementar por meio de seus serviços. A rede não pode ser enviesada a favor de determinadas visões políticas, incluindo dos interesses das próprias plataformas, seja nas partes concretas ou digitais dessa infraestrutura.

Note que esse argumento não ignora a natureza econômica e privada desses serviços, mas ao contrário aponta também o caminho da solução. 

As soluções são por princípio as mesmas que regem a neutralidade nas camadas mais profundas da internet. Precisamos de métricas, transparência e controle para garantir que os serviços de internet respeitem os direitos dos cidadãos de expressar e receber opiniões. Além disso, necessitamos de uma supervisão adequada dessas métricas. Essa supervisão não pode ser, em hipótese alguma, da Anatel.

A Anatel falhou tragicamente em sua competência direta, na regulação das telecomunicações e na defesa da concorrência e dos consumidores. Seria ainda mais preocupante confiar a supervisão da camada de conteúdo a ela, como alguns defendem para o PL 2630. A defesa da liberdade de expressão, da concorrência e dos direitos do consumidor depende diretamente de atribuir essa responsabilidade a um órgão adequado. Conferir esses superpoderes à Anatel seria demolir a frágil neutralidade de rede que temos no Brasil e premiar aqueles que agiram contra os interesses econômicos e sociais do país.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *