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A saga dos preços de combustíveis: a ‘crônica de uma morte anunciada’

Os órgãos administrativos de defesa do consumidor têm se dedicado nos últimos dias a fiscalizar os preços de combustíveis nos postos de gasolina do país, particularmente a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e alguns Procons. Mais especificamente, pretendem verificar (tentar “garantir”) o repasse da diminuição dos preços praticado pela Petrobras.

Seria spoiler alertar os consumidores brasileiros que não funcionará?

Infelizmente, não vivemos apenas de negacionismo de vacinas; existe negacionismo econômico. Desde a Sunab[1] e os “fiscais do Sarney”, autoridades políticas brasileiras vêm pretendendo revogar a lei da oferta e da procura, ou, em bom português, iludindo os consumidores brasileiros em controlar preços. Mas não precisamos ir tão longe para saber que não dará certo, afinal, quantas vezes já não vimos este filme. O governo Temer, na greve dos caminhoneiros (lembram?), tentou fiscalizar o repasse da redução do imposto no preço do combustível. Mais recentemente, o próprio Procon tentou também fixar o preço do botijão de gás, e a  próxima bola da vez, o carro popular, já foi anunciada.

Controlar preços por vontade (e populismo) de governo, metaforicamente falando, é tentar revogar a lei da gravidade; é perseguir Copérnico por descobrir que é a Terra que gira em torno do Sol!

Ora, a lei da demanda é basicamente a única e irrevogável lei das ciências econômicas. O preço é o principal mecanismo de informação de tomada de decisão de consumidores e firmas e, portanto, de ajustes no mercado – que não significa outra coisa senão o espaço público de interação de consumidores e empresas. Um preço alto sinaliza às empresas que pode haver oportunidades de lucros em determinado mercado e aos consumidores uma limitação de escolhas a partir de suas restrições orçamentárias. Ele resulta de mecanismos de oferta e demanda.

Por isso, situações de guerra, como na Ucrânia, podem alterar radicalmente as estruturas de oferta e demanda, provocando abruptas oscilações de preço dos combustíveis; ou mesmo em situações de pandemia (provocando aumento nos preços do álcool em gel, máscaras, leite etc.).

A tentativa de governos e políticos de controlar essa lei natural tão bem descrita pela ciência econômica nunca deu certo. É verdade que o Código de Defesa do Consumidor dispõe: “Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. Mas tal artigo não obriga a repassar imediatamente redução proporcional linear de preços de fornecedores de insumos (ou seja, se Petrobras reduz 10% do preço, esse mesmo percentual não deve necessária e imediatamente aparecer na bomba de combustível).

Não é demais lembrar que a Senacon (vinculada ao Ministério da Justiça), em conjunto com a então Secretaria de Acompanhamento Econômico (vinculada ao então Ministério da Economia), divulgaram a Nota Técnica 8/2020, estabelecendo parâmetros interpretativos sobre tal dispositivo legal para todo o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Tal entendimento foi reforçado por Nota Técnica do Conselho Nacional do Consumidor.

Ademais, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), desde 2002 em toda a cadeia de produção, importação, distribuição e revenda de combustíveis e derivados do petróleo vigora no Brasil o regime de liberdade de preços. Isso significa que não há qualquer tipo de tabelamento nem fixação de valores máximos, mínimos, ou qualquer exigência de autorização oficial prévia para reajustes, conforme exposto em Nota Técnica 006/2019/SDR, da ANP.

Também neste contexto, o Departamento de Estudos Econômicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (DEE/Cade) já manifestou preocupação quando o Procon de São Paulo tentou fixar preços máximos do Gás de Cozinha (GLP). Naquela ocasião, o DEE/Cade deixou claro o seu entendimento de que no setor do petróleo vigora a liberdade de preços, que deve ser exercida a partir do princípio da livre concorrência, segundo descrito na Nota Técnica 19/2020/DEE/Cade.

Não custa também voltar ao básico de Direito Econômico, caso nada disso existisse. A ordem econômica brasileira é fundada, constitucionalmente, na livre iniciativa, e deve seguir entre seus princípios básicos, a livre concorrência, conforme os arts. 1º, inc. IV, e 170, inc. IV da Constituição Federal, consagrando um sistema econômico de mercado.

Livre iniciativa e livre concorrência são direitos fundamentais porque estão umbilicalmente ligados ao direito de liberdade em sentido lato. Eles representam os valores e os princípios preponderantes na ordem constitucional, pois, como já consagrado inclusive pelo Supremo Tribunal Federal (STF), representa a essência de uma economia de mercado, cuja eficiência é por eles garantidos.

Uma economia de mercado é um sistema econômico no qual os bens e serviços são produzidos, vendidos e partilhados e os preços fixados a partir do equilíbrio entre oferta e procura.

A livre iniciativa assegura aos agentes econômicos, a priori, liberdade de atuação no mercado, podendo comprar e vender bens e serviços sem interferências do poder público. Isso significa, portanto, que consumidores e empresas têm liberdade de participar do espaço público do mercado, ofertando produtos e serviços e consumindo-os livremente.

A Lei de Liberdade Econômica – Lei 13.874/2019 – implementa esse direito fundamental à livre iniciativa e deve ser respeitado por todos aqueles que detém poder regulatório, como agências reguladoras e o poder executivo, inclusive os Procons. Há também algumas leis estaduais no mesmo sentido, como a Lei 17.481/2020 em São Paulo.

Além disso e mais importante, a questão da transmissão de preços de combustíveis foi objeto de estudo da ANP, por meio das Notas Técnicas 006/2019 e 22/2020. Segundo o órgão, há vários estudos que demonstram a ocorrência de assimetria na transmissão de preços (ATP) em diversos mercados, inclusive no mercado de revenda de combustíveis líquidos.

A ANP ainda esclarece que: “é inadequado esperar que os percentuais de reajuste (positivos ou negativos) sejam repassados pelos demais elos da cadeia, uma vez que o combustível constitui apenas uma parcela do valor final do produto”.

Justamente por isso, diante do racional da transmissão de preços de combustíveis, é razoável que em caso de redução dos preços da refinaria e dos impostos, o repasse ocorra respeitando a lógica operacional e comercial (e, portanto, também econômica), de acordo com o giro de estoque e as particularidades de cada empresa.

Além do mais, existem outros fatores que afetam o combustível na bomba aos consumidores. A análise de preços deve considerar todas as variáveis que possam influenciar eventual oscilação dos preços. Neste sentido, sabe-se que a prática de preços pelas distribuidoras considera inúmeras variáveis, como, por exemplo: (i) o custo do biocombustível misturado ao derivado; (ii) o custo de transporte, nos diversos modais; (iii) o custo do armazenamento de produto; (iv) os custos operacionais; (v) os custos tributários; e (vi) a margem de lucro dos integrantes da cadeia produtiva.

Fora todos estes pontos, é de se lembrar também que a Petrobras não consegue suprir a demanda interna de combustíveis, sendo que parcela relevante dos combustíveis vendidos no mercado interno, é importando, e segue precificação internacional.

Assim, os preços dos combustíveis aos consumidores variam como consequência não só dos preços nas refinarias, mas também dos preço dos combustíveis importados, dos tributos estaduais e federais incidentes ao longo da cadeia de comercialização, dos custos e despesas operacionais de cada empresa, dos biocombustíveis adicionados ao diesel e à gasolina e, finalmente, das margens de distribuição e revenda.

Por tudo isso, seria mais eficiente do ponto da Administração Pública e mais honesto e probo dizer a verdade. E, ao invés de tentar desfazer a venda de refinarias da Petrobras, nosso governo devia estar se esforçando para que a Petrobras vendesse ainda mais seus ativos e competisse internacionalmente. Isso teria maior potencial de redução de preços aos consumidores.


[1] A Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) foi um órgão criado pelo Governo Federal na década de 1950, cuja finalidade era, basicamente, fiscalizar/controlar preços, tendo sido extinto na década de 1990.

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