• New Page 1

    RSSFacebookYouTubeInstagramTwitterYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTube  

Mulheres filósofas (por Gustavo Krause)

Os antigos vazios urbanos do Recife eram os campos da molecada: espaço de lutas renhidas entre os times de ruas e bairros. Prevaleciam as regras do “bocão”, mas respeitavam a bandeira branca.

Uma entrada mais violenta tinha como sentença: “Futebol é jogo pra homem”. Grave engano. Não passava, de fato, pela minha cabeça que os mais simples fundamentos do futebol (matar a bola no peito, driblar, a caneta, ou seja, passar a bola entre as pernas dos adversários, o voleio, a bicicleta e por aí vai) fossem assimilados e executados com perfeição.

Marta, a franzina alagoana, fez tudo e bem-feito. Ícone do futebol feminino foi eleita por, seis vezes, a melhor jogadora do mundo. Tudo sem o menor apoio dos machos alfas da CBF. Dentro e fora do campo, lutaram no Brasil, no mundo e, hoje, são protagonistas respeitáveis e valiosas no mercado da bola.

Esta lembrança me veio à cabeça ao escutar uma aula sobre Hannah Arendt em que a professora destacou a tímida presença da mulher na longa da história da Filosofia, situação que permanece até os nossos dias.

Não é de estranhar: o berço da Filosofia, a Grécia, excluiu e amordaçou a mulher no mais essencial exercício do ser: pensar. Restavam a submissão, o espaço doméstico e a servidão sexual.

Silêncio era virtude; pensar, pecado mortal. Começou a ser pago por Hipatia de Alexandria, primeira filósofa (lógica e matemática), assassinada, em 415 por uma horda de cristãos.

Pensar diferente das ideias dominantes era fatal. Galileu abjurou o heliocentrismo. Escapou das fogueiras que era o destino implacável das “heresias” femininas.

Corajosamente, as mulheres não se intimidaram, lutaram e, hoje, ocupam, com destaque, carreiras profissionais, inimagináveis para a aversão misógina.

Recentemente, o livro de Wolfram Eilenberg (Todavia, 2022), “As Visionárias”, aborda a vida de quatro grandes mulheres, de modo leve e fluente, que, no conjunto, sintetiza a capacidade de transformar o cativeiro feminino e revelar o destemor pessoal e intelectual de romper as mais espessas barreiras da libertação.

Em comum, carregavam “graves” pecados: eram mulheres, judias (á exceção de Simone de Beauvoir), intelectuais, contemporâneas ou vítimas, dos tempos sombrios das guerras mundiais, com o foco na década 1933-1943.

De Beauvoir (1908-1986), autora de “O Segundo Sexo”, abriu as comportas do pensamento sobre o ego feminino e sua construção social. A partir dela, o tema da sexualidade segue crescentemente desafiador. Estabeleceu com o existencialista, Sartre, uma relação aberta e liberta: o amor necessário era o que os ligavava; o amor contingente era o laço das relações circunstanciais e fugazes.

Simone Weil (1909-1943), um espírito fraterno no frágil e debilidado corpo enfermiço: intelectualmente precoce; fervorosa defensora da utopia comunista, abominou os crimes stalinistas e aproximou-se de Trotsky; tentou convencer, sem sucesso, o comando francês para atuar no front da guerra como enfermeira ou paraquedista. Sob inspiração de profundas convicções religiosas e enorme produtividade intelectual, escreveu o memorável ensaio sobre a existência humana “O enraizamento” e a destruição da guerra sobre indivíduos e nações. Subnutrida, faleceu, tuberculosa, aos 34 anos.

Ayn Rand, judia-russa (1905-1982), deixou seu país de origem, sempre fugindo do que considerava uma tragédia: a submissão do indivíduo ao coletivo estatal e “ideal”. Em 1926, chega em Chicago. O seu pensamento se estrutura sobre a razão e os fatos. Polêmica, argumentava em favor do egoísmo ético e rejeitava firmemente o altruísmo como enobrecimento do autosacrifício, em favor de um coletivo sagrado pela propaganda e a minoria, um lixo. Construiu um sistema filosófico, chamado “Objetivismo”. E uma densa obra, “A Revolta de Atlas”. E “A Nascente”, virou filme.

Hannah Arendt (1916-1975) é uma das maiores filosófas e pensadoras do século XX. Mulher admirável. É dela a expressão “Banalidade do Mal” ao fazer a notável cobertura jornalística e reflexão filosófica sobre o julgamento de Adolf Eichmann, o monstro de Nuremberg. Mal compreendida, despertou a ira de parte da comunidade judaica e dos sionistas. Arendt, além do conjunto da obra, jamais foi superada na dimensão e compreensão das “Origens do Totalitarismo”, título do livro, esgotado em 2017, dado ao aumento de interesse no assunto quando Trump assumia a presidência dos EUA. Sob a desumanidade das guerras, Hannah sentiu na própria pele os efeitos do que significa a agonia de respirar em meio às referências destruídas.

Ainda não superamos o preconceito e, mais profundamente, a misoginia. Permanecem sutilmente. Os quatro exemplos demonstram que o mundo seria mais humano se houvesse harmonia social entre os Gêneros.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

The post Mulheres filósofas (por Gustavo Krause) first appeared on Metrópoles.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *