Em decisão unânime, os integrantes do plenário do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro fizeram determinações relevantes que abrem caminho em favor da transparência da gestão pública municipal e dos credores da prefeitura – que há anos enfrentam o drama de atraso, calote e a fama de mau pagador do município carioca. A decisão analisou o chamado Relatório de Inspeção Extraordinária acerca da Ordem Cronológica de Pagamentos do município, o qual examinou o período entre julho de 2017 e abril de 2021.
Está em jogo nesse tema tanto a ordem cronológica de pagamentos quanto mecanismos adequados de acompanhamento dos mesmos, algo fundamental para a transparência nos critérios utilizados para realizar ou cancelar os pagamentos devidos, os mecanismos de controle e freios a possíveis e indesejáveis ocorrências de negociações pouco republicanas nestes casos.
Os conselheiros do TCM concluíram neste início de março que não há sistema informatizado que possibilite o acompanhamento da ordem cronológica e que, de uma forma geral, as regras não estão sendo cumpridas pela prefeitura e seus órgãos. Em outras palavras, há o reconhecimento explícito por parte do TCM pela ausência de plataforma digital aberta, atualizada em tempo real, e diante disso determina sua efetivação, incluindo as diversas ordens cronológicas e as respectivas listas de credores. Os conselheiros também reconhecem falhas do controle interno e determinam a estruturação de uma nova forma de controle para que as regras da cronologia dos pagamentos sejam observadas.
Diante das falhas da prefeitura e de seus órgãos, o TCM determinou que a CGM e a Secretaria de Fazenda estruturassem um plano de ação para um novo controle interno e que implementassem a plataforma de acompanhamento em tempo real. Também determinou que a CGM assegure a manutenção da lógica da fila de pagamento.
Os conselheiros pedem a uniformidade a todos os órgãos municipais para o cumprimento da ordem cronológica de pagamento. E se situações de emergência de algum modo afetarem a capacidade de pagamento pelo município, cabe a identificação e publicização dos novos critérios para o sequenciamento de pagamentos – sempre respeitando a lógica das filas de pagamentos.
Em português ainda mais claro: há uma fila, uma ordem cronológica como critério essencial para definir quem pode ver sua dívida quitada primeiro. Existem processos em curso que mostram a violação da ordem cronológica nos últimos anos.
São reconhecimentos e determinações nada triviais diante de um problema antigo. Em setembro de 2021, um artigo no jornal O Globo comentava discurso do prefeito Eduardo Paes (PSD) e um decreto que introduzia novo procedimento para pagamento dos credores que, sem receber no prazo devido, ingressavam na fila dos chamados restos a pagar. Enquanto o prefeito dizia categoricamente “não vou pagar”, o decreto recebia várias críticas, entre outras coisas por sua inconstitucionalidade, por não oferecer parâmetros ou critérios objetivos e por faltar-lhe um elemento basilar na gestão administrativa pública: transparência.
Enfrentando contestações de toda ordem, o município acabaria revogando o polêmico decreto, que havia “alcançado seu propósito”, de acordo com o texto – mas o problema persistiu e persiste. Algo que a decisão do TCM pode ajudar a corrigir. Trata-se de um problema que está longe de restringir-se ao universo de credores da cidade do Rio de Janeiro. O custo das dívidas dos municípios – assim como qualquer tentativa de calote – é algo que, cedo ou tarde, acaba sendo arcado pelos cariocas em geral. E mais: afasta investidores e macula ainda mais o já tão abalado histórico de credibilidade da gestão pública do Rio.
Eis aí uma boa oportunidade para apagar essas manchas históricas.