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Piso da enfermagem: até quando a enfermagem brasileira será injustiçada?

Nesta última sexta, 12/5, a enfermagem brasileira mais uma vez ganhou destaque no cenário nacional. Diversas homenagens foram realizadas em alusão ao Dia Internacional do Enfermeiro. No Brasil, a data foi instituída através do Decreto 2.956 de 10 de agosto de 1938 e abre a Semana Brasileira da Enfermagem que finda em 20 de maio, dia do técnico e auxiliar de enfermagem. Apesar de ser uma época de celebração, a grande discussão nacional se deu em torno da dificuldade das categorias de terem acesso ao direito legal e legítimo de ter um piso salarial nacional.  

O anúncio da sanção presidencial ao Projeto de Lei Nacional 05/2023, aprovado no Congresso Nacional, foi emblemático e encheu de esperanças 2.822.661 profissionais que, diuturnamente, têm dedicado suas vidas ao cuidado da saúde da população brasileira.

Com o crivo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a União repassará a estados, municípios, distrito federal e hospitais filantrópicos que prestam 60% dos seus serviços ao SUS um montante de R$ 7,3 bilhões para efetivação do pagamento do piso nacional da enfermagem em todo Brasil. Mesmo com a notícia auspiciosa, o setor patronal se manteve resistente e realizou críticas infundadas à iniciativa federal. 

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) lançou, também em 12/5, uma nota oficial sob o título: “Lei sancionada não garante pagamento do piso da enfermagem; saúde já está colapsada e pode piorar”. O texto traz em seu bojo afirmações inverossímeis sobre o impacto econômico do piso salarial da enfermagem, bem como acusa a União de ser hipócrita e de que a medida governamental seria apenas uma ilusão vendida aos trabalhadores. Essa redação é, no mínimo, terrorista e desrespeitosa com o papel da enfermagem na garantia da saúde dos munícipes do país.  

O movimento, autointitulado municipalista, traz alegações inverídicas de que o recurso federal seria somente para 2023 e que a Lei 14.581/2023 seria destinada apenas aos profissionais da atenção especializada. Também trazem estimativas de que o impacto do piso para os municípios seria de R$ 10,5 bilhões neste ano. Lamentavelmente todas essas afirmações não encontram amparo na realidade, pois a legislação garante recurso financeiro para trabalhadores da enfermagem de todas as redes de atenção à saúde.  

A lei prevê recursos, inicialmente, para o ano de 2023 porque se trata de uma complementação à lei orçamentária federal anual (LOA). As LOAs são aprovadas ao final de cada exercício para aplicação no exercício seguinte. Ou seja, para o ano de 2024 é possível que os valores desse repasse aumentem. Ainda assim, o provimento de R$ 7,3 bilhões para 2023 cobre o impacto econômico do piso, em todo setor público e filantrópico, que seria de R$ 5,843 bilhões anual, de acordo com relatório aprovado na Câmara de Deputados. O documento levou em consideração estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), encomendado pela Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE). 

A luta histórica da enfermagem brasileira por remuneração digna começou no Congresso Nacional em 1989, através do Projeto de Lei 4499, de autoria da deputada federal Benedita da Silva, inicialmente apenas para enfermeiros. Em 2009 e 2015, a Câmara de Deputados volta a discutir o piso salarial da enfermagem, através dos projetos dos deputados federais Mauro Nazif e André Moura.

Desde então o movimento sindical e social têm lutado incessantemente pela aprovação de uma legislação nacional que pudesse reduzir as iniquidades sociais provenientes das desigualdades salariais da enfermagem no Brasil. Uma trajetória como essa merecia o respeito dos parlamentares.

Esse reconhecimento se consolidou com a campanha aguerrida em torno da aprovação do PL 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que tratava do piso salarial da enfermagem vinculado à jornada semanal de trabalho de 30 horas. Para alcançar maioria de votos no Congresso Nacional, o projeto teve que sofrer alterações onde o piso teve uma redução drástica de valores e foi desvinculado da jornada de trabalho. Essas alterações representaram um enorme prejuízo aos trabalhadores da enfermagem. Entretanto, as medidas foram tomadas para vencer a correlação de forças políticas no parlamento brasileiro e o forte lobby do setor patronal para a rejeição do PL 2564.  

A enfermagem venceu, mas não levou. Após a publicação da Lei 14.434/2022, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), de forma articulada, entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7222 junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu liminar suspendendo a lei que garantia salários um pouco mais dignos para enfermagem. Uma injustiça sem precedentes com uma gama de trabalhadores e trabalhadoras que tiveram suas vidas ceifadas, durante a pandemia de Covid-19, pela falta de coordenação do Governo Federal no enfrentamento maior crise sanitária mundial.  

Segundo um estudo realizado pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data, por encomenda da Internacional de Serviços Públicos (ISP), cerca de 4.500 profissionais de saúde morreram no país durante a pandemia até 2021. 70% desses mortos eram técnicos e auxiliares de enfermagem e 24% eram enfermeiros.

A plataforma Smartlab – Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho também traz dados alarmantes. Dos afastamentos laborais acidentários, no período de 2012 a 2022, nas atividades de atendimento hospitalar, 49% são dos trabalhadores da enfermagem e nos afastamentos não-acidentários o percentual aumenta para 50%. Quando observamos os afastamentos previdenciários da classe trabalhadora no país, cerca de 4% correspondem à enfermagem. 

Devido à baixa remuneração, os trabalhadores da enfermagem acumulam duplos ou triplos vínculos de trabalho. Segundo o Dieese, 86,3% da gama de trabalhadores da enfermagem é composta por mulheres. Assim sendo, essas categorias são as mais afetadas por assédio moral e violência laboral.

Dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) demonstram que a taxa de mortalidade por suicídio entre os profissionais de enfermagem, em 2019, foi de 13,9 por 100 mil habitantes. Essa foi a maior proporção de mortos por esta causa entre todos os trabalhadores do Brasil.

A maior taxa de transtornos mentais relacionados ao trabalho (TMRT) também está na enfermagem brasileira. Segundo o Sistema Nacional de Notificação (Sinan), no período de 2006 a 2021, 15% das 7 353 notificações de TMRT eram de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem. Tal panorama só ratifica o que sindicatos de todo país já têm alertado. A enfermagem está adoecendo e morrendo. Medidas urgentes de combate à precarização do trabalho precisam ser consolidadas. Afinal, o interesse do mercado não pode prevalecer ao direito à vida. 

A alegação do setor privado para entrar com pedido de inconstitucionalidade do Piso Salarial da Enfermagem era de que o pagamento desses salários culminaria no caos da saúde pública e que as taxas de desemprego seriam desastrosas para a própria enfermagem. A solução adotada pelo setor privado foi penalizar a enfermagem e o SUS. Afinal, se esses trabalhadores seguirem precarizados, o nível de absenteísmo por adoecimento e morte não será suportado pela saúde pública e nem pela saúde suplementar.

Segundo estudo do Dieese, por encomenda da FNE e da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS), sobre empregabilidade da enfermagem no país, 48% dos desligamentos dos vínculos celetistas são a pedido dos próprios trabalhadores. Ou seja, a enfermagem já está abandonando a profissão pelo processo de desvalorização remuneratória associada às péssimas condições de trabalho a que é submetida. 

Concretizar o piso salarial da enfermagem brasileira é essencial para a garantia de relações de trabalho saudáveis, para proteger seus trabalhadores, o SUS e o povo brasileiro. É dever do empregador e direito de um povo chamado enfermagem.

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