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“A verdadeira música de protesto hoje está nas favelas e nas periferias”

A jornalista e escritora Bruna Ramos da Fonte, de 32 anos, é um autora eclética. Sua bibliografia vai desde escritos sobre Roberto Menescal e a bossa nova, aos rebolados de Sidney Magal. Seu mais recente lançamento, “Apenas uma Mulher Latino America”(Editora Rocco; 280 páginas, 69,90 reais) é focado no cancioneiro de protesto da América Latina, em especial as músicas criadas durante a ditadora militar nesses países. Em entrevista para a Billboard Brasil, Bruna fala do livro e do futuro desse estilo vigoroso de escrever música.

Apesar do título do seu novo livro fazer uma referência direta à América Latina, ele não fala apenas sobre a produção musical latino-americana. Por quê?

O movimento musical conhecido como Nova Canção Latino-Americana nasceu como uma resposta e

como voz de resistência aos governos autoritários que começaram a ser instaurados no nosso

subcontinente em meados da década de 1950 no contexto da Guerra Fria, como uma forma de impedir

a expansão comunista em todo o continente americano. (Lembrando que a Guerra Fria surgiu com o fim

da Segunda Guerra Mundial e que esta, por sua vez, eclodiu sobre as bases da herança deixada pela

Primeira Guerra Mundial.) Ou seja, para compreender a nossa música, é preciso ampliar os horizontes

para além das nossas fronteiras, buscando um entendimento sobre os eventos mundiais que

influenciaram e mudaram o curso da história da América Latina.

Não podemos nos esquecer também que a invenção e a popularização do rádio e do gramofone

transformou a função da música no século XX. Com a ampliação do seu alcance em termos de público, a

música passaria a ser cada vez mais usada como voz política – tanto como instrumento de denúncia e

resistência do povo, quanto de propaganda por parte dos governos autoritários. Basta lembrar que

nazistas e soviéticos, por exemplo, também recorreram à música como instrumento de propaganda

política e ideológica.

O seu livro apresenta uma coleção de ensaios temáticos que, nas suas próprias palavras, utiliza a

música como ponto de partida para abordar diversos temas. Ele também traz uma seleção de poesias suas e fotografias que você fez ao longo das suas viagens pela América Latina. Essa combinação de diferentes gêneros e linguagens torna quase impossível recorrer aos rótulos mais óbvios para definir o seu trabalho. Como você define este livro?

Um trabalho transdisciplinar, onde diferentes áreas do conhecimento se conectam através da música. A função da música neste projeto, é de fio-condutor; é ela quem conecta os diferentes temas e reflexões que eu apresento ao longo do livro.

Sobre essa ideia de combinar diferentes gêneros e linguagens dentro de um único livro, essa proposta

reflete a pluralidade do meu trabalho enquanto jornalista, pesquisadora e artista; sou inquieta e o

tempo inteiro estou buscando novas formas de me expressar através das mais diversas linguagens. Ao

mesmo tempo, acredito que essa proposta enriquece a experiência do leitor.

Como nasceu a ideia deste livro?

Eu sou são-bernardense, e ter crescido no ABC Paulista fez com que eu tivesse um contato muito

próximo com questões políticas e sindicais desde a infância; ter contato com as histórias de exilados

políticos de toda a América Latina que chegaram por aqui fugindo das suas próprias ditaduras ajudou a

engrossar esse caldo.

Ao mesmo tempo, a música sempre fez parte da minha vida. Minha mãe é uma pessoa muito musical, então cresci cercada de discos e tive a possibilidade de estudar música ainda na infância; estudei piano clássico e violino, toquei em orquestra. A combinação do estudo da música com a influência histórica e política da minha região, fez com que eu propusesse ao meu então editor, Jiro Takahashi –que é uma lenda viva do mercado editorial e criador

da Série Vagalume–, a ideia de um livro sobre a música de protesto latino-americana. Nós estávamos no

final de 2012 e, no início do ano seguinte, comecei a viajar pela América Latina para pesquisar e

entrevistar pessoas. A ideia era lançar este livro em 2014 –quando completaríamos o cinquentenário do

golpe militar de 1964–, mas por diversas razões, o projeto acabou sendo adiado.

Ciente de que um dia este projeto seria publicado, segui escrevendo e reunindo material ao longo de

doze anos. O resultado é este livro, que chega às livrarias nesse momento em que completamos 60 anos

do golpe militar.

Durante as suas viagens e pesquisas pela América Latina, você teve muitos encontros interessantes com artistas e pessoas que ajudaram a escrever linhas importantes da história da América Latina no século XX. De todos esses encontros, tem algum que impactou de forma distinta no seu trabalho ou na sua vida pessoal?

À sua maneira, cada um desses encontros teve a sua importância tanto para o meu livro quanto para a

minha própria vida. Foram conversas muito profundas, com um poder de transformação imensurável.

Mas, de todos elas, o encontro que mais reverberou dentro de mim foi com o cantor e compositor

cubano Silvio Rodriguez, um dos criadores da chamada Nova Canção Cubana. Por ele ser um poeta e um

fotógrafo que, assim como eu, foi muito precoce, senti uma identificação imediata com ele e com a sua

história.

Eu tinha 21 anos quando conheci Silvio e me lembro que, naquele momento, ainda estava buscando o

meu lugar no mundo. Ter contato com o pensamento dele e com a sua própria história – que era tão

parecida com a minha –, fez com que eu finalmente percebesse que ser diferente não era um problema.

Aquele encontro virou uma chave: admirá-lo fez com que eu passasse a me admirar também. Foi

quando eu parei de tentar me encaixar nos padrões e passei a buscar os meus próprios caminhos. Foi

um momento de ruptura e de transformações profundas, de consolidação da minha identidade, e é

claro que isso também impactou na qualidade da minha produção literária.

Isso me faz lembrar de uma frase que está no prefácio do seu livro, onde a artista chilena Tita Parra (neta da cantora e compositora Violeta Parra), que é sua amiga, diz que você “não caminha por onde todos caminham”. O que essa frase diz sobre você, e como isso impacta na sua produção literária?

A minha trajetória nunca foi convencional: seja pelas circunstâncias ou pelas minhas próprias

inquietações, eu estou sempre transitando pelos caminhos mais diversos e inusitados. Isso ajuda a

ampliar os meus horizontes e o meu repertório, além de fornecer diversas ferramentas que me ajudam

a mergulhar nas camadas mais complexas e profundas dos temas sobre os quais pesquiso e escrevo.

A minha vida profissional colaborou muito com isso também, e a minha própria formação acadêmica–

que é muito diversa–, se tornou um reflexo dessa realidade. Afinal, durante anos, eu construí duas

carreiras distintas, que acabaram se influenciando mutuamente: em paralelo à minha carreira artística,

literária e jornalística, atuei durante mais de quinze anos como consultora em processos internacionais,

migração e direitos humanos.

Então o que a Tita diz realmente traduz a pessoa e a escritora que eu sou: eu realmente nunca segui os

caminhos mais simples ou mais óbvios. Nos livros e na vida, eu traço o meu próprio mapa.

Seu livro tem sido definido como uma “autobiografia musical de uma mulher latino-americana”. A sua intenção foi realmente escrever uma autobiografia? Qual foi o maior desafio de fazer um livro que carrega tantos elementos autobiográficos, depois de tanto tempo escrevendo e publicando projetos onde você não precisava se expor diretamente?

Confesso que essa não era a minha intenção inicial, mas quando retomei o projeto deste livro em 2022,

a cada página que eu escrevia, naturalmente ele ganhava um tom cada vez mais autobiográfico. Isso se

deu porque eu optei por lançar nessas páginas o meu próprio olhar sobre os acontecimentos e

experiências que vi e vivi ao longo da minha jornada pela América Latina.

Este livro também registra o meu caminho como uma mulher latino-americana que a cada dia dá um

passo a mais nesse mundo que pouco a pouco caminha em direção à igualdade de gênero. Afinal, eu

nasci em um contexto no qual a igualdade entre homens e mulheres acabava de ser garantida na

Constituição pela primeira vez na história do Brasil; isso permitiu que eu me aventurasse por caminhos

que seriam impensáveis – e praticamente impossíveis – para as minhas avós e bisavós.

Em meio a tantas reflexões, eu também comecei a investigar a influência das minhas origens e

ancestralidade sobre o trabalho que faço. E foi aí que tive um insight importantíssimo: essa tradição de

contar histórias a partir de músicas é um hábito que está presente na minha família há gerações. É algo

que está diretamente costurado à minha própria história, então acabei levando tudo isso para o livro

também.

O maior desafio que eu vivi nesse processo, foi me acostumar à ideia de ser protagonista da minha

própria escrita. Depois de tantos anos contando histórias de outras pessoas, eu precisei encontrar o tom

desse texto onde eu era, simultaneamente, biógrafa e biografada. No final das contas, foi um trabalho

tão interessante quanto prazeroso. Não tenho dúvidas de que este é o meu melhor livro: parece que

todos os livros que vieram antes, me prepararam para conceber este projeto – tanto no aspecto literário

quanto emocional.

No seu livro, são citadas quase trezentas músicas. Ao longo do texto, você passeia com facilidade do tango ao funk, da música folclórica ao rap. Essas músicas foram escolhidas com base apenas na sua pesquisa ou elas refletem também o seu gosto pessoal?

Quando a gente se distancia do preconceito e passa a ouvir música de uma forma até antropológica – mergulhando naquele universo e sentindo os efeitos e sentimentos que ela nos causa –, a experiência como ouvinte se torna muito mais rica e interessante. Então além de ouvir música sem preconceitos, eu também tenho um gosto musical muito eclético e isso se reflete na abordagem que eu proponho neste livro. Ao escolher posicionar lado a lado artistas e gêneros tão distantes, a minha intenção é incomodar, é fazer o leitor refletir e reavaliar os seus próprios conceitos e preconceitos.

Mas, no final das contas, o meu livro vai de Debussy a MC Carol com muita facilidade porque essa sou eu: na playlist da minha vida tem lugar pra todo mundo.

É comum ouvir pessoas afirmando que a música de protesto terminou, como se ela tivesse se esgotado com o fim das ditaduras na América Latina. Qual é a sua opinião sobre o tema?

A chamada “música de protesto” nunca terminou e nunca vai terminar. Enquanto houver desigualdade, injustiça social, criminalidade, guerra e preconceito – somente para citar algumas das tantas mazelas que o nosso mundo vivencia diariamente –, sempre haverá algo a ser denunciado ou reivindicado. Isso está muito presente e evidente na produção musical contemporânea, principalmente quando falamos no funk, no rap ou no hip-hop: hoje a música de protesto brasileira vem das favelas e periferias.

Mas é claro que a MPB e o rock também continuam sendo vozes fundamentais de protesto e denúncia, e mesmo os artistas que se consagraram como grandes vozes de protesto no Brasil das décadas de 1960 a 1980, continuam atentos às questões do mundo em que vivem. Basta ouvir “Não vou Deixar”, do Caetano Veloso, “Que tal um Samba?” e “Caravanas”, do Chico Buarque, “Muito Tudo” do RPM ou “Idade Média Moderna”, parceria do Pedro Luís com o Carlos Rennó: são músicas atualíssimas que dialogam com as questões políticas, econômicas e sociais do nosso próprio tempo. Na minha opinião, o que faz com que muitos afirmem que a música de protesto terminou, é o olhar saudosista, preconceituoso, racista e homofóbico que lançam para a produção musical contemporânea. Tem muita gente com os olhos e os ouvidos fechados para aquilo que o artista de hoje quer mostrar e cantar.

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