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Ailton Krenak: uma potente voz indígena

Simone Athayde

Especial para o Jornal Opção

Você já se fez alguns desses questionamentos: “O que é a humanidade?” “Essa humanidade está disposta a pagar o preço pelo modo de vida capitalista estabelecido como normal?” “Será esse mesmo modo de vida o único que podemos conceber ou existiria uma forma menos danosa a todos?” “A vida precisa ser útil, ou, seja, somente aqueles que produzem merecem viver?” Pois essas são algumas questões que o autor indígena Ailton Krenak, recém-empossado na Academia Brasileira de Letras (ABL), trata em seu livro “A vida Não É Útil” (Companhia das Letras, 126 páginas). 

Antes de falar sobre essa obra, cabe uma pequena introdução. Desde 2022 o dia 19 de abril é nomeado oficialmente como “Dia dos povos indígenas” em substituição ao pejorativo Dia do Índio.

Ailton Krenak: escritor e pensador brasileiro | Foto: Reprodução

Para além de uma simples mudança de nomenclatura, isso implica que, ao olhar para os povos originários e seus modos de vida como diversos, podemos também reconhecer formas de sabedoria e propostas alternativas ao estilo de vida normativo, cada vez mais nocivo ao mundo e, por que não dizer, à própria “humanidade”.

Trazer para o seu quadro um indígena pode parecer que a ABL, entidade com histórico tradicionalista e elitista, quer surfar na onda do politicamente correto, mas também pode ser visto como um chamado necessário à escuta da voz indígena, representada por Krenak que, tendo sido formado nos estudos “do homem branco” e nos da floresta, tem aval para nos mostrar uma visão não-antropocêntrica e necessariamente crítica à forma de viver que naturalizamos como a única certa.

Sistema deixa à margem populações inteiras

Parece ter sido Pierre Weil quem cunhou o termo “normose” para nomear comportamentos, hábitos e costumes que, embora sendo nocivos, são definidos como normais, encorajados e seguidos pela maioria de uma população.

No site na própria ABL, temos uma definição para o termo: “Normose é o resultado de um conjunto de crenças, opiniões, atitudes e comportamentos considerados normais, logo em torno dos quais existe um consenso de normalidade, mas que apresentam consequências patológicas e/ou letais”.

Pois a obra de Ailton Krenak é um aviso de que não há nada de normal em mantermos e defendermos ferrenhamente um sistema social que empobrece e deixa à margem populações inteiras e que destrói a natureza, porque nós próprios, seres humanos, somos natureza.

Ailton Krenak, que traz na sua obra referências de outros estudiosos, além de sua própria experiência como alguém que busca no modo de vida mais natural um antídoto para a doença da normose, vai desconstruindo diversas ideias tidas como verdades absolutas.

A própria ideia de uma humanidade única é colocada em xeque nos textos que compõem o livro, escrito a partir de lives das quais participou e de entrevistas que concedeu durante a pandemia: “Ao longo da história, os humanos, aliás, esse clube exclusivo da humanidade — que está na declaração universal dos direitos humanos e nos protocolos das instituições — foram devastando tudo ao seu redor. É como se tivessem elegido uma casta, a humanidade, e todos os que estão de fora dela são a sub-humanidade. Não só os indígenas, mas toda vida que deliberadamente largamos à margem do caminho. E o caminho é o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum lugar. Há um horizonte, estamos indo para lá, e vamos largando no percurso tudo o que não interessa, o que sobra, a sub-humanidade…”.

Portanto, a tão aclamada ideia de progresso é vista sem ilusões pelo autor, pois esse progresso é o responsável, entre outros crimes, pelo envenenamento dos rios e por “devorar as montanhas”, o que a Vale faz incessantemente em Minas Gerais, a exemplo do terrível rompimento da barragem que atingiu Mariana, Brumadinho e a região onde habitam os Krenak.

Guerra contra a vida na Terra

A espécie humana é vista com pessimismo: “Os Krenak desconfiam desse destino humano, por isso a gente se filia ao rio, à pedra, às plantas e a outros seres com quem temos afinidade. Se acreditamos que quem apita nesse maravilhoso organismo que é a Terra são os tais humanos, acabamos incorrendo no grave erro de achar que existe uma qualidade humana especial. Destruir a floresta, o rio, destruir as paisagens, assim como ignorar a morte das pessoas, mostra que não há parâmetro de qualidade nenhum na humanidade, que isso não passa de uma construção histórica não confirmada pela realidade”. Apesar disso, de enxergar o poder monstruoso de cooptação do capitalismo, que se embrenhou em todas os espaços da sociedade, como a política e a religião, e de perceber a impossibilidade de diálogo com as grandes corporações que o sustentam, Ailton acredita que um novo modo de existir é possível, e ele viria a partir de um envolvimento coletivo, de uma mudança de mentalidade e de uma abertura às vozes justamente da chamada sub-humanidade, ou seja, daqueles que não se renderam totalmente ao modo de vida eurocêntrico e colonialista, aos que ainda conhecem a sabedoria da Terra: “Essa gente é a cura para a febre do planeta, e acredito que podem nos contagiar positivamente com uma percepção diferente da vida. Ou você ouve a voz de todos os seres que habitam o planeta junto com você, ou faz guerra contra a vida na Terra”

As suas críticas, embora duras, são construídas com metáforas que, se por um lado são irreverentes, por outro mostram o seu pensamento afiado, irônico e não-conformado, como quando fala que o desenvolvimento tecnológico trouxe “brinquedos”, sendo o mais sofisticado deles o “que bota gente no espaço. É um brinquedo que só dá para uns trinta, quarenta caras brincarem. E, claro, tem uns bilionários querendo brincar disso, o que me faz pensar que essa humanidade imaginária, além de ter uma tremenda infantilidade espiritual, não consegue tecer críticas sobre a sua história”.

Ou quando fala sobre a economia: “Dizer que a economia é mais importante (que a vida humana) é como dizer que o navio importa mais que a tripulação”.

O grande mérito desse autor talvez seja o de mostrar as ilusões que nos sustentam, de criticar verdades estabelecidas, incluindo aqui o trabalho incessante, a educação formal e até a própria forma de vermos o envelhecimento e a morte, ao mesmo tempo que nos apresenta a esperança numa mudança ativa a ser realizada pelo coletivo, já que, segundo diz, acreditar no veredicto de fim de mundo é uma boa desculpa para não fazer nada para mudá-lo.

Simone Athayde é escritora e crítica literária. É colaboradora do Jornal Opção.

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