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Corações periféricos

Se o cidadão não for excessivamente obtuso ou intelectualmente indolente pode aprender uma coisa nova todo dia. Uma das minhas filhas é daquelas que têm de estudar em voz alta, como conversasse sobre a matéria em questão, conhecem o tipo? Pois então, minha filha é assim. E foi servindo de ouvinte para ela quando se preparava para uma prova de anatomia que conheci outro dia o conceito de “coração periférico”.
Eu não me aprofundei cientificamente no assunto, mas compreendi que nossos corações periféricos são as panturrilhas. A famosa batata da perna ajuda a bombear o sangue que passa ali embaixo corpo acima, de volta ao coração, contra a gravidade. Entendida a função anatômica, passei a divagar sobre as nuances poético-filosóficas do coração periférico. Não da panturrilha, que podem até ser poéticas sob os olhos de um Bob Wolfenson, mas do termo em si.
Cheguei à conclusão de que o coração periférico é indispensável à existência humana. Veja bem, batatudo leitor, não se pode colocar o coração somente em uma coisa na vida. Não se pode amar somente, digamos, uma mulher e renegar todo o resto da existência. É preciso amar uma tarde de futebol no estádio. Amar o cheiro de café sendo coado. Amar tocar um instrumento. Amar os labirintos empoeirados de um sebo no centro da cidade.
Não se pode amar somente seu cachorro, por mais que ele mereça. Ou um político – que certamente não merece. É preciso amar a caligrafia dos chineses, as cores dos pássaros. Amar fazer coisas como caminhar por uma vereda de eucaliptos, andar de moto, nadar pelado, fazer um banquinho de madeira, castelo de areia, cozinhar para aquela mulher que você também ama. Ou pro homem. Ou pro cachorro. Ou pra si mesmo, pois, com alguma sorte, você será uma pessoa digna de seu próprio amor.
(Isso, claro, se você não for um traste desprezível, um lixo humano do tipo que arremessa gato pela janela, dá tiro em cabeça de cachorro ou manda uma mãe sair do teatro porque o bebê dela está chorando e atrapalhando sua performance de merda. Você, infeliz, não merece amor, nem seu nem de ninguém.)
Portanto, para que não se deixe de amar a mulher, o homem e o cachorro, são necessários corações periféricos. Condenado está o sujeito que possui um só coração e em um único amor o deposita. Pois se esse coração for levado embora – a mulher fugir com uma pintora boliviana, o homem cair duro no meio da pelada, o cachorro for raptado pelo lixeiro em um Gurgel sem placa – haverá outros para te manter vivo. Porque pra viver direito, alguma coisa o camarada tem que amar.

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