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Relatório da Defensoria diz que 61% das prisões de detentos durante a saidinha temporária de março foram ilegais na Grande SP


Defensores paulistas apontam que mais de 150 prisões analisadas não tiveram nenhum crime associado, mas sim o não cumprimento de horários e situações inconstitucionais de ‘enquadro policial’. SSP admite que menos de 10% dos presos estavam cometendo crime flagrante. Policiais militares de São Paulo em operação nas ruas da capital paulista.
Divulgação/Secom/GESP
Relatório da Defensoria Pública do Estado de São Paulo aponta que 61% das prisões de detentos em saída temporária foram feitas ilegalmente pelas forças de segurança no último mês de março, na região metropolitana da capital paulista.
Com base em processos e registros policiais de mais de 150 detidos durante os dias 12 e 18 de março, os defensores públicos afirmam que as polícias do estado descumpriram uma série de normas legais para prender esses detentos em situação de benefício judicial.
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Segundo o levantamento do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria, a maioria das prisões foram feitas em abordagens sem qualquer regra ou crime sendo cometido. Mesmo assim, segundo os defensores, as pessoas foram presas pelos policiais e levadas de volta aos presídios.
A Secretaria da Segurança Pública admitiu, por meio de nota, “que desde o ano passado 1,5 mil detentos em saidinha foram presos pelas forças de segurança, mas menos de 10%, 119 no total, estavam cometendo crime flagrante”, mas diz que a medida contribuiu para a redução de roubos e furtos (veja nota completa abaixo).
“Os números gerais indicam que mais de dois terços das prisões foram feitas sem que sequer houvesse menção a elemento idôneo a consubstanciar fundada suspeita. (…) Temos exemplos de abordagens ilegais o fato de a pessoa ser abordada porque ‘possuía diversas tatuagens’, ou ‘tentava comprar bebida alcoólica na adega’”, aponta o documento.
“Mais da metade das abordagens foram fundadas em motivações não admitidas como idôneas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). As pessoas foram ‘enquadradas’ em 14% dos casos por aparentarem nervosismo; em 7,8% dos casos porque mudaram de direção [ao avistar uma viatura]; em 8,7%, estariam em genérica ‘atitude suspeita’; em 5,2%, teriam sido denunciadas anonimamente; e em 5,2%, teriam corrido ao avistar os policiais”, afirma o relatório.
Sala da Defensoria Pública do Estado de SP na Alesp.
Divulgação/Alesp
Os defensores públicos analisaram 157 prisões no total, a maioria na capital paulista e região metropolitana. O número significa pouco mais de 1/3 das cerca de 417 prisões de detentos anunciadas pela Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) em todo o estado, em 17 de março.
No relatório, eles apontam que há diversos casos de detentos em saída temporária que foram abordados por estarem em ponto de ônibus, vendendo água numa rua limítrofe entre os municípios de SP e Osasco ou simplesmente indo visitar a mãe de criação.
“No caso nº 103, o acusado foi preso logo depois de sair do hospital, enquanto aguardava o ônibus para retornar à sua residência, conforme os documentos apresentados pela Defensoria Pública. Uma mulher, do caso nº 137, foi presa dentro de sua residência, não podendo se falar em qualquer violação de horário. Algo semelhante ocorreu com a pessoa do caso nº 145, que, de acordo com o B.O da PM, foi presa caminhando na via pública dentro do horário permitido”, diz a Defensoria.
“A prisão dessas pessoas pode demonstrar discriminação com o local que trabalham ou frequentam. (…) A proibição de saída da comarca foi declarada como o motivo de prisão de 4,4% das pessoas. É preciso lembrar que São Paulo é uma cidade conurbada e, muitas vezes, é impossível se perceber quando a cidade acaba e se inicia outra. Isso é exemplificado com o caso de nº 126, em que a pessoa estava trabalhando com a sua mãe, vendendo água, mas foi presa por estar do outro lado da via marginal, na divisa da Capital com Osasco, comarca em que deveria permanecer”.
A defensora pública Camila Galvão Tourinho, umas da responsável pelo estudo, disse ao g1 que a análise das prisões aponta que a polícia substituiu a função do juiz de execuções, fazendo prisões sem critério só porque as pessoas estão supostamente fora do horário de recolhimento, das 19h às 06h.
“Pela Constituição Federal, a prisão ela só pode acontecer quando há crime flagrante ou ordem judicial. Então, ao nosso ver, essas prisões são ilegais quando não há nenhumas dessas duas situações. O que a autoridade policial poderia fazer se abordasse alguém fora do horário da medida judicial? Ela deveria lavrar um boletim de ocorrências e mandar para um juiz de execuções que controla aquela pena. E o juiz avalia se aquelas condições são suficientes para ensejar regressão de regime, determinando um mandado de prisão que a polícia cumpriria”, explica.
“Não é a polícia que tem que avaliar se estão sendo cumpridas ou não as condições. Essa é uma matéria jurisdicional. Ou seja, cabe apenas a um juiz avaliar. É muito grave a competência de um juiz ser passada para as mãos da polícia”, disse a defensora ao g1.
“A questão que nos assusta bastante é essa entrega às polícias da função de fiscalizar e prender sem ordem judicial ou crime flagrante. É uma perda à própria democracia, e fere a questão da separação dos poderes. Isso é bastante preocupante. Os números mostram que esse poder foi usado pela polícia de forma arbitrária”, declarou Camila Galvão.
Habeas corpus coletivo no STJ
Fachada do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, durante dia iluminado
STJ/Divulgação
Por causa das repetidas violações, os defensores públicos de SP ingressaram com um pedido de habeas corpus coletivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que a SSP e as polícias Civil e Militares não voltem a fazer o mesmo na próxima saída temporária, prevista para os dias 11 a 17 de junho.
“A Polícia Militar tem usurpado a competência do juízo das execuções e realizado prisões para averiguação, sem ordem judicial e sem situação de flagrante delito, de pessoas em saída temporária, sendo que, em diversos casos, – sequer os policiais condutores informam no Boletim de Ocorrência qual seria a causa do suposto descumprimento [da saída temporária]. Possivelmente, a SSP tem se valido de uma interpretação flagrantemente inconstitucional que permitiu prisões se desse sem mandado ou ordem do juízo competente pela execução penal”, diz o documento protocolado no STJ, em Brasília.
Os defensores levantam a hipótese de que a SSP tenha feito uma operação camuflada, com os detentos em saída temporária como alvo não divulgado daquele período de março. ]
A data coincidiu com a votação em definitivo na Câmara dos Deputados, em Brasília, do projeto de lei que proibia as saidinhas, que ocorreu em 20 de março.
O secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite (PL), atrás do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Rogério Cassimiro/Secom/GESP

Como se sabe, o atual secretário da Segurança do estado, o deputado Guilherme Derrite (PL), se licenciou temporariamente do cargo em São Paulo naquele mesmo período, para relatar a proposta aprovada no Legislativo federal. Assim que a proposta foi aprovada, ele retornou ao cargo em SP.
“Não dá para determinar que houve uma determinação expressa da SSP nesse sentido em razão dos debates em Brasília. Mas o momento é curioso, porque ele se deu nesse momento em que se debatia como nunca a questão das saídas temporárias. Mas que houve a orientação de que se abordasse mais pessoas em situação de saída temporária, isso nos parece claro, porque nos próprios registros de ocorrências existe essa menção a uma operação destinada a essa finalidade. Os registros falam de uma ‘Operação saída temporária’ existente”, contou Camila Tourinho.
“Houve com certeza uma movimentação da secretaria com relação a esse controle maior das saídas temporárias”, completou.
No habeas corpus coletivo protocolado no STJ, os defensores paulistas pedem que o artigo 5º da Constituição seja garantido e esses detentos só sejam presos dentro das hipóteses legais, respeitando o rito jurídico federal.
“O que nós estamos pedindo aos tribunais superiores é que se declare ilegal esse tipo de atuação, reforçando o teor do artigo 5º da Constituição. É uma reafirmação do que já está na lei. A saída temporária é constitucional e um momento muito importante do cumprimento da pena, porque ela permite a ressocialização, o contato com a família e a demonstração delas para o juiz de execução de que ela tem intenção de retornar”, diz a representante da Defensoria Pública.
“Tanto que, historicamente no estado de SP, dos 35 mil que saem para a rua, mais de 95% deles retornam. As prisões sem justificativa, como estão ocorrendo, vão criar um desestímulo a esse retorno, à medida que esse direito não é respeitado no estado”, declarou Tourinho.
O que diz a SSP
Por meio de nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que “a recondução de detentos que descumprem as normas legais do benefício de saída temporária é feita por meio de parceria do Governo de São Paulo e do Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2023″.
“Em todos os casos, os presos reconduzidos pela polícia a unidades prisionais passam por audiências de custódia nas 24 horas seguintes, cabendo à Justiça a avaliação de cada caso”, afirmou.
A pasta admite, entretanto, que desde o ano passado 1,5 mil detentos em saidinha foram presos pelas forças de segurança, mas menos de 10%, 119 no total, estavam cometendo crime flagrante.
“A medida contribuiu para a redução dos roubos e furtos em cerca de 6 mil ocorrências, durante os dias das últimas quatro saídas temporárias (junho, setembro e dezembro de 2023 e março de 2024), o que demonstra a efetividade do combate à impunidade promovida pela atual gestão”, afirmou a nota.
“Desde a implementação da medida, em junho do ano passado, cerca de 1,5 mil detentos beneficiados foram presos pela Polícia Militar por descumprimento das regras impostas pelo Poder Judiciário, dos quais 119 foram flagrados cometendo novos crimes”, informou a pasta.

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