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    A Rede Social (jornalfloripa.com.br)

Jornalistas arriscam suas vidas para fazer reportagens sobre Gaza; veja relatos

“Quem ficar até o fim, vai contar a história. Fizemos o que pudemos. Lembre-se de nós”.

O doutor Mahmoud Abu Nujaila rabiscou essas palavras de despedida em tinta azul em um quadro branco no Hospital Al-Awda, em Jabalya, em 20 de outubro, de acordo com os Médicos Sem Fronteiras.

Quando Israel lançou a sua ofensiva militar em Gaza, após os ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas, muitos jornalistas locais permaneceram – arriscando as suas vidas para contar as histórias do seu povo.

Após mais de 200 dias de combate, o bombardeio israelense transformou bairros em escombros. As famílias foram dilaceradas por mortes e deslocamentos forçados; a ameaça de fome se aproxima. Ao mesmo tempo, 129 dos 250 reféns capturados em Israel pelo Hamas permanecem cativos no território, dos quais pelo menos 33 acredita-se estarem mortos.

Presos na faixa ao lado dos seus colegas residentes em Gaza, os repórteres palestinos se tornaram os olhos e os ouvidos daqueles que sofrem sob a sombra da guerra.

E com a grande maioria da mídia estrangeira impossibilitada de entrar, foram as suas fotos, filmagens e reportagens, muitas vezes feitas colocando suas vidas em grande risco, que mostraram ao mundo o que está acontecendo.

Pelo menos 97 jornalistas e profissionais de mídia foram mortos desde outubro – 92 dos quais eram palestinos – de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). Isso torna esse o período mais mortal para os jornalistas desde 1992, quando o CPJ começou a coletar dados.

Jornalistas de Gaza disseram à CNN que estão assombrados pelas mortes dos seus colegas, enquanto equilibram o trabalho emocional de cobrir a guerra com a tentativa de proteger as suas famílias.

Repórteres deslocados que trabalham em tendas improvisadas correm o risco de ficar expostos aos ataques israelenses. Alguns dizem que foram forçados a fugir das suas casas sem equipamento ou dispositivos de proteção, apenas com seus celulares para mostrar ao mundo o que está acontecendo.

Outros têm que ir para terrenos mais elevados quando carregam imagens, em um esforço para contornar cortes de energia e interrupções de comunicações à medida que os bombardeios israelenses persistem.

Mais de 90 jornalistas foram mortos nesta guerra

A guerra que começou em 7 de outubro de 2023 é o conflito mais mortal para jornalistas desde que o Comitê para a Proteção dos Jornalistas começou a manter dados em 1992.

Jornalistas mortos enquanto cobriam conflitos, 2003-2024

Nota: dados de 2024 de 29 de abril. Fonte: Comitê para a Proteção dos Jornalistas / Gráfico: Rachel Wilson e Alex Newman, CNN

Imagens do chefe da sucursal da Al-Jazeera em Gaza, Wael Al-Dahdouh, tremendo de tristeza depois que 12 familiares foram mortos em um ataque israelense no centro de Gaza, em outubro passado, se tornaram um símbolo da situação difícil dos jornalistas locais.

“Estamos cobrindo a guerra em Gaza porque este é o nosso dever jornalístico. Isso nos foi confiado”, disse Mariam Abu Dagga, de 31 anos, fotojornalista do Independent Arabic deslocada na cidade de Rafah, no sul de Gaza.

“Desafiamos a ocupação israelense. Desafiamos as circunstâncias difíceis e a realidade dessa guerra, uma guerra genocida”.

As agências de direitos humanos apelaram repetidamente à proteção dos jornalistas no território palestino. Em fevereiro, especialistas da ONU alertaram que “ataques seletivos e assassinatos de jornalistas são crimes de guerra”.

Ao divulgar o seu Índice Anual da Liberdade de Imprensa na sexta-feira (3), no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, os Repórteres Sem Fronteiras alertaram que o ano passado marcou “uma clara falta de vontade política por parte da comunidade internacional para fazer cumprir os princípios de proteção dos jornalistas”.

A guerra em Gaza registou “um número recorde de violações contra jornalistas e mídias” desde outubro, segundo o relatório.

A Palestina – o termo que a organização utiliza para os territórios palestinos, e que está classificada em 157º lugar entre 180 países e territórios pesquisados – é a região mais mortal para os jornalistas.

As Forças de Defesa de Israel (FDI) não responderam às perguntas da CNN sobre as alegações feitas por vários jornalistas sobre ameaças à segurança dos repórteres que trabalham na Faixa de Gaza.

O jornalista da Al Jazeera Wael Al-Dahdouh abraça filha e filho enquanto comparecem ao funeral de outro filho, o jornalista palestino Hamza Al-Dahdouh, morto em um ataque israelense, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza / 07/01/2024 REUTERS/Mohammed Salem

As FDI disseram à CNN que não poderiam comentar as alegações de ataques direcionados sem coordenadas geográficas e o horário específico, mas forneceram à CNN uma nota que tem usado frequentemente durante a guerra em Gaza.

A CNN forneceu nomes, locais e datas dos ataques em questão.

“Em resposta aos ataques bárbaros do Hamas, as FDI estão operando para desmantelar as capacidades militares e administrativas do Hamas”, afirmaram as FDI em nota.

“Em total contraste com os ataques intencionais do Hamas contra homens, mulheres e crianças israelenses, as FDI seguem o direito internacional e tomam precauções viáveis para mitigar os danos civis, incluindo os jornalistas. As FDI nunca atacaram e nunca atacarão deliberadamente jornalistas”.

“Dadas as contínuas trocas de tiros, permanecer em uma zona de combate ativa apresenta riscos inerentes. As FDI continuarão a combater as ameaças enquanto persistem em mitigar os danos aos civis”, acrescentou.

Israel lançou um ataque militar a Gaza em 7 de outubro, depois que o grupo militante Hamas, que governa Gaza, matou pelo menos 1.200 pessoas em Israel e raptou mais de 250 outras.

Desde então, os ataques israelenses em Gaza mataram mais de 34.600 palestinos e feriram mais de 77.800 pessoas até 1º de maio, segundo o Ministério da Saúde local.

Dos mortos, cerca de sete em cada 10 são mulheres e crianças, disse o ministério. A CNN não pôde confirmar os números de forma independente devido à falta de acesso à mídia internacional.

Homem segura colete de proteção pertencente a Wael Al-Dahdouh, jornalista da Al Jazeera, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza / 15/12/2023 REUTERS/Bassam Masoud

“Sempre que um jornalista é alvo, nos perguntamos quem entre nós será alvo amanhã”, disse Abu Dagga. “Não temos cobertura e não temos segurança”.

“A guerra é a única coisa que me separou do meu filho”

Desde outubro, Abu Dagga tem passado todos os dias em Gaza pensando se este será o último. Mesmo assim, ela não vai embora, apesar de tomar a decisão angustiante de enviar seu filho de 12 anos para morar com o pai nos Emirados Árabes Unidos.

“A guerra é a única coisa que me separou do meu filho”, disse ela à CNN.

Abu Dagga diz que o mandou embora para sua segurança depois de documentar as mortes de crianças pelo bombardeio de Israel. Até 30 de abril, os ataques israelenses em Gaza mataram mais de 14.100 crianças, disse o Ministério da Saúde.

Por mais que eu tente explicar o esgotamento psicológico, não conseguiria descrevê-lo em palavras. Tive que fotografar crianças debaixo dos escombros

Mariam Abu Dagga, fotojornalista do Independent Arabic

Os trabalhadores das mídias palestinas fornecem uma janela crítica para os horrores da ofensiva de Israel em Gaza.

Os poucos jornalistas estrangeiros que foram autorizados a entrar no enclave acompanharam principalmente as FDI e podem ter tido que submeter as suas imagens aos militares para revisão de segurança, embora mantendo o controle editorial.

Tanto Israel como o Egito, que controlam as fronteiras de Gaza, recusaram até agora dar aos jornalistas internacionais acesso irrestrito à faixa, dizendo que não podem garantir a sua segurança.

Abu Dagga diz que os seus pais no norte de Gaza se preocupam quando ela sai para trabalhar, depois de ouvirem falar dos muitos colegas que ela perdeu durante a guerra. Outros foram evacuados, enfrentando a dor de deixar familiares para trás, enquanto ainda trabalham para contar a história de Gaza. 


Depois de quase sete meses de guerra, Abu Dagga disse à CNN que ela também quer partir. “Não há lugar para morarmos”, disse ela. “Fomos submetidos a repetidos bombardeios e ainda somos alvos”.

Pouco tempo para lamentar

Tal como Abu Dagga, o fotojornalista local Mohammad Ahmed caminha na linha entre a vida e a morte. Um estilhaço perfurou sua perna após um ataque israelense a um prédio em Jabalya, no norte de Gaza, em 17 de dezembro, lembra Ahmed. Nuvens de poeira enchiam o ar, enquanto as pessoas gritavam freneticamente.

O fotojornalista da emissora estatal turca TRT disse à CNN que estava viajando pelo bairro, depois de ter sido deslocado do campo de refugiados local.

Seu colete de imprensa protetor absorveu um estilhaço que acertaria seu estômago, diz ele. Mas os médicos não conseguiram remover o estilhaço alojado na parte superior da coxa direita.

“Comecei a gritar que estava ferido. Ninguém conseguiu me ouvir”, disse Ahmed. “Vi pessoas caídas na rua, partes de cadáveres estavam espalhadas”.

O pai de três filhos diz que é atormentado por documentar repetidamente cenas de guerra, sejam crianças pedindo ajuda debaixo dos escombros, ou palestinos feridos inundando um hospital após um ataque israelense. Às vezes, diz ele, ele precisa parar de filmar e liberar suas emoções.

“Eu também sou humano”, disse Ahmed. “Eu paro de filmar e tento encontrar um lugar vazio para chorar. Essas cenas nos afetam imensamente porque esse é o nosso povo, e eles são humanos, e são como nossos filhos”.

Morte do cinegrafista da Reuters se soma à outras 7 mortes de profissionais da comunicação na Faixa de Gaza
Morte do cinegrafista da Reuters se soma à outras 7 mortes de profissionais da comunicação na Faixa de Gaza / Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images

Ele ainda não conheceu seu filho de dois meses, Adnan. A sua esposa, então grávida, e as duas filhas fugiram primeiro para Rafah e depois para o Egito em novembro. Seus pais e irmãos foram deslocados para o outro lado da faixa, diz ele. Mas há pouco tempo para lamentar o que foi perdido.

“Dada a natureza do meu trabalho, eu sabia que não estaria disponível ao lado da minha família durante a guerra. Eu tinha certeza de que essa guerra seria maior do que todos nós”, disse ele.

Somos capazes de mostrar cenas que eles (as forças israelenses) não querem que mostremos. Somos capazes de transmitir uma realidade que eles estão trabalhando duro para encobrir e esconder. Somos capazes de transmitir a verdade

Mohammad Ahmed, fotojornalista da TRT

Dizendo adeus

Para outros, o risco de perder a família significava que não tinham outra escolha senão deixar Gaza.

Ibrahim Dahman e a sua jovem família foram deslocados várias vezes à medida que os bombardeios se intensificavam em torno da sua casa em Sheikh Radwan, no norte de Wadi Gaza.

O produtor da CNN dirigiu desesperadamente para o sul junto com a sua esposa grávida, Rasha, e dois filhos – Zeid, agora com 11 anos, e Khalil, 7 – sob o eco distante da campanha aérea de Israel.

“Isso foi um fardo enorme para mim”, disse Dahman, 36, à CNN no mês passado.

Em novembro, ele e sua família foram evacuados para o Cairo, no vizinho Egito. “Quando ouvimos os sons de aviões civis no Cairo, entramos em pânico”, disse ele.

“Fui forçado a sair para proteger meus filhos e minha esposa. Deixamos o resto da minha família em Gaza, que ainda sofre todos os dias”.

A família Dahman visita as Pirâmides de Gizé, no Egito, no dia 29 de dezembro 2023 / Ibrahim Dahman/CNN

Enquanto Dahman continua documentando a guerra para a CNN, mais de 40 familiares da sua mãe e do seu pai foram mortos por ataques israelenses. O seu apartamento em Sheikh Radwan foi reduzido a escombros – apagando memórias preciosas, incluindo fotografias dos seus avós e presentes de amigos.

“O que me motiva a cobrir a guerra em Gaza é que nasci em Gaza. Sou filho de Gaza. Morei lá, estudei lá e trabalhei em Gaza durante anos”, disse ele à CNN.

O assassinato de um grande número de jornalistas em Gaza teve um grande impacto negativo na minha saúde mental. Tive medo de morrer como eles

Ibrahim Dahman, produtor da CNN

“Perda imensa”

Os jornalistas sobreviventes disseram à CNN que estão determinados a honrar o legado dos seus colegas que foram mortos.

O editor-chefe do site de notícias Al-Khamsa, Saeed Al-Taweel, foi morto por um ataque aéreo israelense em 10 de outubro, no oeste da cidade de Gaza, segundo a agência de notícias palestina Wafa.

Um colega que se abrigou com Al-Taweel na noite em que ele foi morto, Alaa Abu Mohsen, disse que Al-Taweel tinha ido filmar a torre Hajja em Gaza quando foi atingida por um ataque.

“Eu caminhei para encontrar Saeed, e ele estava caído no chão no cruzamento que liga Phoenix e Hajja. Depois disso, levei seu corpo para sua família em Rafah”, disse Mohsen.

Al-Taweel era famoso entre os palestinos em Gaza por seu programa matinal, “Akhabr ‘Arrei”, que significa “notícias com o estômago vazio”, segundo Saba Al-Jaafrawi, 32 anos, uma amiga próxima e jornalista.

Ela o descreveu como uma “pessoa gentil e generosa que tomou a iniciativa de fazer as obras de Deus e ajudar as pessoas necessitadas”.

“Costumávamos ir trabalhar de manhã cedo e ouvir as pessoas falando sobre seu noticiário matinal. Você ouvia as pessoas dizerem: ‘Saeed escreveu’ e ‘Saeed disse’”, contou Al-Jaafrawi à CNN. “Perder Saeed foi uma perda imensa tanto no nível jornalístico quanto no nível social”.

Sem jornalistas, como é que o mundo ouviria falar de nós, saberia o que nos está acontecendo e compreenderia a narrativa palestina?

Saba Al-Jaafrawi, jornalista e amiga de Saeed Al-Taweel

O destino de pelo menos dois outros jornalistas palestinos permanece desconhecido, segundo o CPJ.

Nidal al-Wahidi, de 31 anos, um fotojornalista, não foi mais visto desde que foi detido pelas forças israelenses ao lado do colega fotojornalista Haitham Abdelwahed, 25, enquanto reportava sobre os ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas no sul de Israel, de acordo com a um relatório da Anistia Internacional em dezembro e o testemunho do seu primo prestado à CNN.

Jornalistas palestinos Mohammed Soboh e Saeed Al-Taweel são mortos em Gaza / Arafat Barbakh/Reuters (10.out.23)

As autoridades israelenses se recusaram a divulgar a sua localização ou os fundamentos legais para a sua detenção, disse a Anistia, acrescentando que não se sabe se eles estão vivos ou mortos.

Al-Wahidi viajou para o posto de controle de Erez/Beit Hanoun para filmar os ataques, disse a Anistia Internacional. Grandes organizações de notícias internacionais, como a Getty Images, compraram suas fotos.

A CNN pediu às FDI que divulgassem o paradeiro de Al-Wahidi e Abdelwahed, os motivos da sua prisão e o seu estado atual. As FDI não forneceram uma resposta.

O primo de Al-Wahidi, Fadi Wael Abdel Karim Al-Wahidi, que também é jornalista e ainda trabalha em Gaza, disse que a família identificou Nidal com base em fotos divulgadas pelas FDI de pessoas detidas em 7 de outubro.

“Então, voltamos à Cruz Vermelha e dissemos a eles: ‘Esta é uma foto de Nidal, e sua família o reconheceu’”, disse Fadi à CNN. Ele disse que a Cruz Vermelha falou que as FDI não forneceram informações sobre as pessoas detidas em 7 de outubro.

A CNN entrou em contato com as FDI sobre as alegações feitas por Fadi.

Família, amigos, incluindo o repórter da Al Jazeera Wael Al-Dahdouh, em 7 de janeiro de 2024, durante o funeral dos jornalistas Hamza Al-Dahdouh e Mustafa Thuraya, mortos em um bombardeio em Gaza.
Família, amigos, incluindo o repórter da Al Jazeera Wael Al-Dahdouh, em 7 de janeiro de 2024, durante o funeral dos jornalistas Hamza Al-Dahdouh e Mustafa Thuraya, mortos em um bombardeio em Gaza. / Ahmad Hasaballah/Getty Images

Fadi, 24 anos, descreveu Nidal como uma “figura familiar” que era “muito gentil”. Ele havia trabalhado ao lado do primo, disse ele, lembrando que Nidal era dedicado ao seu trabalho e sabia que “a hora do riso era para o riso, e a hora do trabalho era para o trabalho”.

Em declarações à CNN, Fadi deixou uma mensagem para o primo. “Juro por Deus, sentimos falta dele. Sentimos muita falta dele. Não só eu, mas toda a minha família espera que Nidal volte porque gostamos muito dele. Esperamos que Deus o traga de volta para nós em segurança”.

Quer reportem a partir de dentro do enclave ou de qualquer outro lugar, os jornalistas palestinos disseram à CNN que não podiam ignorar os horrores que acontecem em Gaza.

Em vez disso, fazem como Nujaila, o médico do hospital Al-Awda, pediu no início da guerra – contando as histórias de palestinos sitiados dentro do território para que não sejam esquecidos.

Este conteúdo foi originalmente publicado em Jornalistas arriscam suas vidas para fazer reportagens sobre Gaza; veja relatos no site CNN Brasil.

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