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Após perder a irmã, manicure cria grupo de ajuda para apoiar pessoas com vício em jogos de azar na internet


Jéssica Lobo formou grupos em aplicativos de conversa para ajudar outros viciados nos aplicativos de apostas. Manicure Jessica Lobo (à direita) perdeu a irmã, Ângela Maria (à esquerda), e criou grupo de apoio online
Reprodução
“Tem hora que eu não acredito no que eu tô vivendo. Aí quando a ficha cai, parece que o mundo está desabando de novo”, conta a manicure cearense Jessica Lobo, de 31 anos. Após perder a irmã, a vendedora autônoma Ângela Maria Camilo, para o vício em jogos de azar, Jessica tem se engajado na internet para alertar outros usuários dos riscos desse tipo de jogo, e até formou grupos em aplicativos de conversa para ajudar pessoas viciadas. Hoje, já são três grupos de apoio online.
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Nos últimos meses, Jessica vem utilizando as redes sociais para se manifestar contra jogos de azar. Um dos desabafos de Jessica viralizou, e a enxurrada de mensagens que recebeu a fez ter a ideia de criar um grupo no qual todos pudessem compartilhar suas dificuldades com os jogos de aposta online.
“Hoje eu acabo dando uma atenção específica para cada pessoa antes dela entrar no grupo, entendendo um pouco da história dela, conversando um pouco para que ela já chegue no grupo e eu saiba quem é ela, para que ela não chegue lá de paraquedas e fique falando aleatoriamente sozinha”, explica Jessica.
Natural de Missão Velha, na região do Cariri cearense, Jessica morava em São Paulo há oito anos quando recebeu a notícia da morte da irmã, no último dia 12 de dezembro. Ângela tirou a própria vida após se ver afundada em dívidas. A extensão total da dívida ainda é incerta, mas entre empréstimos e cartões de crédito, está na casa de centenas de milhares de reais.
Jessica veio da capital paulista para o velório da irmã sem saber o que tinha ocorrido com ela. Somente após chegar na cidade natal é que sua família contou a verdade.
Familiares descobriram que a vendedora estava há mais de um ano e seis meses realizando apostas altas – e perdendo muito mais dinheiro do que possuía – nos jogos online de azar da plataforma Blaze, entre eles, o chamado Jogo do Aviãozinho, cuja operação ilegal no Brasil é investigada pela Polícia Civil de São Paulo.
“Na minha cabeça a minha irmã era um caso isolado”, conta. No entanto, após a criação dos grupos de apoio online, Jessica descobriu que há muitas outras pessoas na mesma situação. “Hoje, todos os dias chega nos grupos alguém que está viciado, alguém que está sem solução, que acha que a única solução é morrer”.
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Reprodução/TV Globo
Em nota ao g1, a Blaze informou, por meio de sua assessoria de imprensa no Brasil, que “é uma plataforma de entretenimento e seu uso deve se limitar a este propósito. A companhia tem como compromisso promover o jogo responsável, o que inclui ferramentas que reforçam o uso consciente, permitindo ao usuário autonomia. A companhia destaca que atua em conformidade com a regulamentação vigente”.
⚠ Se você estiver tendo pensamentos suicidas, busque ajuda de alguém que você confie e que possa te ouvir. Evite o uso de substâncias que alterem o estado mental, como álcool. É possível encontrar ajuda especializada e suporte emocional no Centro de Valorização da Vida (CVV) por meio do chat na internet ou pelo telefone 188.
Reconstrução e recomeço
Após a morte de Ângela, a família conseguiu acessar o celular da vendedora e descobriu mensagens trocadas no Whatsapp sobre os jogos da Blaze e também extratos de depósito no aplicativo da plataforma. Para sustentar o vício e recuperar as perdas, Ângela usou o próprio nome, o da mãe, de amigos.
Ao voltar ao Ceará para lidar com a situação familiar, Jessica Lobo precisou, inicialmente, reorganizar as contas da família. Para isso, chegou a abrir uma campanha de financiamento coletivo online, mas arrecadou apenas R$ 900. Com o dinheiro, pagou as contas de água, energia e comprou comida.
Em meio à luta para restabelecer o lar, Jessica encontrou força para fazer das redes sociais uma plataforma de apoio a viciados em jogos de azar e de alerta contra os problemas desse tipo de jogo, além cobrar um posicionamento de influenciadores que têm ganhado dinheiro divulgando esses jogos.
Suas mensagens e desabafos nas redes sociais chamaram atenção de milhares de pessoas, que descobriram que não estavam sozinhas no vício. Para lidar com o volume de mensagens, Jessica formou os grupos de WhatsApp em que as pessoas viciadas no jogo ou mesmo amigos e familiares de pessoas nessa condição encontram apoio.
“Ultimamente também eu tenho passado a ligar para parentes, a conversar com parentes porque infelizmente as pessoas julgam”, conta Jessica. “E hoje a minha vida é essa, dividida entre a minha rotina de ajudar em casa, de trabalhar e também de ajudar essas pessoas”.
Crash, conhecido como ‘jogo do aviãozinho’, é ilegal do Brasil, mas continua acessível online
Reprodução
O grupo, por enquanto, não conta com um profissional de psicologia ou terapia para ajudar a lidar com o vício, pois não tem como pagar. É apenas um espaço onde os afetados se apoiam e se incentivam a ficar longe dos aplicativos de aposta.
Por lá, os membros costumam contar diariamente há quantos dias estão sem jogar. A maioria dos participantes, conta Jessica, são do Nordeste. Grande parte são mulheres, mães solo.
Para outras pessoas que estão nesta condição de vício, a recomendação de Jessica é simples: “Se possível, se abra. Procure um parente, procure uma mãe, um pai, um filho, o marido, a esposa. […] Enquanto você respirar, enquanto você tiver vida, enquanto você tiver em cima da Terra, se você lutar contra esse vício com a vida de alguém, é possível você conseguir sair dessa”.
Vício
O vício pode ser definido como um tipo de dependência que uma pessoa desenvolve em relação a algo. “É algo que gera um prazer, de ordem imediata, ou a busca por esse prazer. Na hora que se tem prazer, gera uma substância que se chama dopamina. Então a pessoa fica como dependente daquilo”, explica a psicóloga Janaína Farias, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Diferente do que se pensa, o vício não precisa ser relacionado a dependência química. É possível possuir uma dependência de cunho emocional, por exemplo, ou dependência de telas (smartphones, computadores, tablets), de redes sociais, de jogos. A situação é a mesma quando se trata de jogos de aposta online.
“Algo que vai viciar a pessoa é algo que é reforçador, a pessoa vai ter alguns ganhos com aquilo ali. Então cada vez que a pessoa tem ganho, isso gera um prazer”, explica a professora. “Às vezes eu ganho, às vezes eu não ganho e isso faz com que a pessoa meio que fique presa àquela situação. Imagina que se tem alguém que tu quer conversar e essa pessoa às vezes te responde, às vezes não te responde, você acaba sempre ficando na expectativa se essa pessoa vai te responder ou não. É como se o jogo fizesse isso de uma maneira potencializada”.
Aqueles que estão sofrendo com vício – seja em jogos, em drogas, em telas – podem apresentar uma série de mudanças de humor, de hábitos e de comportamento social, apresentando tendências de isolamento, irritabilidade, alterações no sono, aumento no nível de ansiedade, entre outros indícios.
“Ela fica entediada mais fácil com outras coisas, ela passa a não sentir prazer em outras coisas que antes ela sentia prazer. Ela pode também ter um comportamento depressivo, dependendo do que for”, completa Janaína.
A professora destaca que jogos de azar e de apostas já existem há muito tempo, como é o caso dos cassinos, ilegais no Brasil. Já as plataformas online de aposta, chamadas de bet, são mais recentes, embora seu modelo seja inspirado nas antigas casas de apostas. As bets são legalizadas no país.
Por outro lado, jogos como o “Crash”, conhecido como Jogo do Aviãozinho, operado pela plataforma Blaze, são classificados como jogos de azar, que assim como cassinos, estão proibidos no Brasil. Apesar da proibição, a plataforma, que é sediada em outro país, continua online e acessível para qualquer usuário em solo brasileiro.
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Reprodução
Para Janaína Farias, um dos fatores que tem levado tanta gente a se viciar neste tipo de jogo é justamente a facilidade com que se pode acessá-lo.
“Eles unem os jogos de azar que já existiam há muito tempo com a questão do digital, que tem a estimulação através do sons, da iluminação, das ilustrações que são usadas. E também tem a questão da praticidade, de estarem na sua mão, você tem uma facilidade enorme para ter acesso. Antes não, você tinha que sair de casa e procurar, tinha todo uma dificuldade para ter acesso a esses jogos de apostas. Hoje não, hoje você pode acessar tudo pelo seu celular”, avalia.
Como ajudar ou pedir ajuda
Pessoas com problemas de vício em jogos ou telas podem recorrer a atendimento psicológico e psiquiátrico. Uma das primeiras recomendações é evitar o uso de substâncias que alterem o estado mental, como álcool, pois ela podem agravar o caso.
Se você estiver tendo pensamentos suicidas, busque ajuda de alguém que você confie e que possa te ouvir. É possível encontrar ajuda especializada e suporte emocional no Centro de Valorização da Vida (CVV) por meio do chat na internet ou pelo telefone 188.
Na rede pública, é possível encontrar apoio médico na rede dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
“Se você for familiar, é você tentar conversar com essa pessoa, se oferecer para ser suporte e ajudá-la a procurar profissionais que possam auxiliar no processo de tratamento”, orienta a professora Janaína Farias. “E não dizer para a pessoa que ela para [de jogar] se ela quiser. Essa pessoa está doente, não tem como simplesmente parar […]. Tem que tratar de acolher a pessoa, não a julgar”.
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