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Conhecer a Itália dos livros de Donna Leon é reconhecer a corrupção Brasileira

Donna Leon (nascida em 1942, em New Jersey) é uma escritora americana que vive na Itália, mais precisamente em Veneza, e faz enorme sucesso no mundo inteiro, principalmente na Europa. É uma espécie de Agatha Christie moderna, pois escreve romances policiais, sempre com a figura central do inspetor veneziano Guido Brunetti, personagem criado por ela. Já escreveu uma trintena de livros, traduzidos em vinte línguas (escreve em inglês), mas entre essas línguas não está o italiano, por exigência da autora, embora ela viva, como dissemos, em Veneza.

Então, é lida no mundo todo, faz enorme sucesso, seus personagens centrais são italianos, mas não pode ser lida na Itália, onde vive? Por quê? – perguntará o leitor. A pergunta já foi feita a Donna Leon, que em 1981, apaixonada pela cidade, escolheu Veneza como lugar de viver. Sua resposta, um tanto evasiva, foi de que prefere não ser famosa onde mora, para resguardo de sua tranquilidade. Mas basta a leitura de duas ou três de suas obras para deduzir outra possível – e bem mais provável – explicação: a autora critica acidamente a corrupção endêmica das autoridades e do empresariado italianos. Não há livro seu que não abrigue ao menos uma cáustica e clara menção a esse péssimo costume. Estrangeira, famosa, vivendo na Itália e permanentemente criticando os italianos, não poderia esperar muita tranquilidade, mesmo. 

E já que falamos de corrupção italiana, não podemos nos esquecer de que estamos no Brasil, e de que temos uma elite campeã mundial nesse abominável esporte. Esporte que entre nós recebe um enorme incentivo e permanente patrocínio da impunidade. Aqui e lá na Itália, a coisa é feia, e não sabemos se vai parar um dia, ou cair para níveis mais toleráveis. Existem alguns paralelos entre a corrupção italiana e a brasileira, e o principal deles é o envolvimento de políticos graúdos.

Uma das mais extraordinárias histórias de combate ao crime que teve lugar na Itália gira em torno de um juiz chamado Giovanni Falcone. Juiz em Palermo, Falcone dispôs-se a um combate legal contra a máfia siciliana, poderosíssima, dispondo de recursos ilimitados advindos — dentre outras várias atividades criminosas (e até algumas legais de fachada) — do tráfico de heroína. A organização já havia assassinado juízes e policiais antes da ação de Falcone, o que evidencia a coragem do magistrado. Numa ação surpreendente, Falcone adotou métodos novos de investigação: seguiu depósitos suspeitos em bancos italianos e estrangeiros, ligou-se a autoridades suíças, americanas e turcas, pressionou governo e parlamento para aprovação de leis que auxiliassem investigação e condenações, instituiu delações premiadas. Sua Operação Maxi, levada a cabo entre 1986 e 1987, condenou mais de 300 mafiosos, incluindo 19 chefões conhecidos, como Giuseppe Lucchese e Bernardo Provenzano.

Traço de união da Operação Maxi com o Brasil: uma delação premiada fundamental para a condenação dos criminosos foi a do mafioso Tomazzo Buscetta, preso em São Paulo em 1983 e extraditado para a Itália, a pedido de Falcone. Foragido, Buscetta era, aqui, um dos chefes do tráfico. O sucesso de Falcone determinou sua morte, em 1992, junto com a mulher e três guarda-costas. A máfia fez explodir 400kg de explosivo colocados sob uma ponte, por controle remoto, quando o carro de Falcone passava sobre ela. Outro traço de união: o juiz Sergio Moro, na Operação Lava-Jato inspirou-se em Giovanni Falcone, para investigar e punir, também de maneira extraordinária, figuras graúdas da política e do empresariado brasileiro. 

Mas haveria outra operação que guardaria paralelo com fenômenos de corrupção ocorridos no Brasil. A justiça italiana, ao contrário do que se passa no Brasil, não se acovardou com as ameaças do crime organizado e mesmo com a morte de Falcone. Na década de 1990, um procurador de Milão, Antonio di Pietro, deflagrou a chamada Operação Mãos Limpas (Mani Puliti, em italiano), que abalaria a República ao longo de seus quatro anos de duração (1992-1996).

A Operação Mãos Limpas não visava a máfia, como a Operação Maxi, do juiz Falcone. Partiu de umas irregularidades em bancos ligados à Igreja Católica, mais precisamente o Banco Ambrosiano (embora tenha envolvido até o Banco do Vaticano) e desaguou num imenso escândalo envolvendo os três poderes, industriais e empreiteiros, concorrências fraudadas, sobrepreços e propinas, muitas propinas, exatamente como aconteceu com a Operação Lava-Jato no Brasil. Na Itália, a impunidade é menor que no Brasil, e a vergonha na cara dos políticos é maior. A operação deu como resultado doze suicídios de figurões culpados (entre eles um executivo da Parmalat e outro do grupo Feruzzi, ambos grandes empresários), quase 3.000 prisões e quase 500 parlamentares indiciados, 4 deles ex-primeiros-ministros. Quatro partidos expressivos do parlamento italiano foram extintos, em função das investigações.

Nisso, não há paralelo com o que ocorreu aqui. Nenhum dos corruptos brasileiros se suicidou, ninguém se envergonhou a esse ponto, e talvez nem tenha se envergonhado de maneira alguma. O partido central da corrupção não foi extinto e continua firme. O “sistema” de corrupção se refez, com grande apoio da imprensa e de parte do Judiciário. Empresas corruptas e corruptoras tiveram suas multas perdoadas, e os condenados a longas penas de prisão foram todos libertados. Os juízes e promotores que deflagraram a Operação Lava-Jato e mandaram gente rica para a cadeia, coisa inusitada no Brasil, são perseguidos pelo “sistema”. Como dizem os italianos, e o diretor Federico Fellini usa a frase em seu famoso filme de 1983, “E la nave va…”. 

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