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Café no McDonald’s, trabalho na rua de casa, adeus ruído: meus dias de Warren Buffett

Nesses meus anos de mercado financeiro, tive a oportunidade de estudar a trajetória de Warren Buffett diversas vezes. Mas foi apenas visitando pessoalmente Omaha – a cidade natal do megainvestidor americano, no estado americano de Nebraska – que pude captar a verdadeira dimensão de seu legado. Foi lá, onde Buffett ergueu um império avaliado em mais de US$ 860 bilhões, que ocorreu no sábado (4) a conferência anual da Berkshire Hathaway – ou o “Woodstock capitalista”, para os íntimos.

Nova York, berço de Wall Street, é um lugar pulsante, iluminado por anúncios e repleto de diversidade, onde o ritmo acelerado é a norma. Minha experiência na Faria Lima ensinou que ambientes assim, com muitos ruídos, boatos e um excesso de informação, podem ofuscar o que realmente importa para uma boa decisão de investimento. Buffett, por sua vez, escolheu o isolamento da pacata Omaha para viver e trabalhar, o que beneficiou significativamente sua capacidade de se concentrar no essencial.

A pandemia demonstrou que é viável trabalhar remotamente. Mas imagine adotar esse modelo antes da década de 1980, quando as informações circulavam lentamente. O isolamento foi uma vantagem estratégica para Warren Buffett, permitindo que ele se focasse exclusivamente em suas análises e convicções. É essa, então, a fórmula do sucesso?

Provavelmente, não. Buffett é um caso à parte, com uma forte convicção no “compounding” — o processo de acumulação de rendimentos sobre rendimentos, que possibilita o crescimento exponencial do investimento a longo prazo. É quase um princípio de vida para ele, que costuma perguntar: se você pudesse ter apenas um carro durante toda a vida, como o trataria? Com o máximo cuidado, certamente. O mesmo se aplica ao cuidado com nossa mente e corpo e à maneira como acumulamos não apenas riqueza, mas também conhecimento ao longo dos anos.

Muito capital, pouco impacto social?

A estratégia de compounding nem sempre beneficiou Warren Buffett. Sua primeira esposa, Susan, o deixou por discordar de sua política de retenção de capital sem realizar doações significativas para a sociedade. Buffett defendia que poderia gerar um impacto maior no futuro se continuasse a acumular recursos sob sua gestão.

A visão de Susan encontra eco entre muitos habitantes de Omaha. Em conversas com os locais, percebi a admiração por sua filha Susie, conhecida por um forte engajamento em causas sociais na comunidade. A reflexão necessária é: seria possível para Susie contribuir de maneira tão significativa sem o legado financeiro construído por seu pai?

Buffett é conhecido por hábitos modestos, que mantém até hoje. Ele mora na casa de número 5.505 na Farnam Street. É uma residência grande e bonita – mas poderia ser infinitas vezes maior, se o megainvestidor quisesse. Adquirida em 1958 por US$ 31,5 mil, seu valor ajustado pela inflação seria em torno de US$ 340 mil. Colocada à venda, no entanto, certamente alcançaria uma cifra bem maior devido à valorização imobiliária ao longo dos anos e seu valor histórico no universo dos investimentos.

O bairro é tranquilo e arborizado, com casas que tradicionalmente não têm portões — um traço comum no interior dos EUA. Entretanto, devido ao intenso assédio durante as semanas dos eventos, Buffett decidiu instalar um portão em sua propriedade.

Um homem de hábitos simples

Apenas cinco minutos de descida pela Farnam Street levam ao McDonald’s da Dodge Street, uma parada regular de Buffett há décadas para o café da manhã. O bilionário, apesar da fortuna estimada em US$ 132 bilhões, tem seus pedidos matinais bem definidos conforme o desempenho do mercado. Em dias baixa, ele opta pela escolha mais econômica, os sausage patties, que custam US$ 2,61. Se o mercado está estável, ele prefere o sausage McMuffin with egg, por US$ 2,95. Já em dias de alta, escolhe o bacon, egg & cheese biscuit por US$ 3,17.

Mais dois minutos de carro e Buffett chega ao número 3.555 da mesma rua, onde fica o escritório da Berkshire Hathaway. Apesar do vasto império financeiro que coordena, a empresa emprega apenas 25 funcionários diretamente.

O edifício, conhecido como Blackstone Plaza, tem 16 andares e foi recentemente reformado e pintado todo de preto. Apesar das modernizações, não se compara aos imponentes arranha-céus de Wall Street ou da Faria Lima. Construído entre 1960 e 1961, o edifício que abriga o escritório da companhia desde 1962 é um marco discreto na paisagem de Omaha. Situado em uma das áreas mais movimentadas da cidade, com alguns hotéis, bares e escritórios, raramente há mais de 20 pessoas caminhando pela rua.

A cidade pacata se transforma

Como a semana movimenta os bastidores, enquanto gravava em frente ao prédio, vi Guy Spier – renomado gestor do fundo Aquamarine, que atualmente tem 22% de seu portfólio investido na Berkshire – entrando no edifício.

Omaha é uma cidade onde ter um carro é essencial, porque tudo fica distante de tudo. Um bom exemplo é o Gorat’s Steakhouse, restaurante favorito de Buffett. A viagem do escritório da Berkshire até lá leva 7 minutos de carro – ou 50 minutos a pé.

Quando estive lá, o lugar estava repleto de turistas animados pelo evento. Frequentemente, os clientes solicitavam à garçonete que trouxesse o totem de Buffett para tirar fotos nas mesas. Conhecido pelas carnes de excelente qualidade, o Gorat’s tem seu preço – não espere gastar menos de US$ 45 apenas pelo prato principal.

Na semana do evento, Omaha se transforma, com uma série de encontros e conferências secundárias. Os investidores, que demonstraram interesse através do envio de cartas à empresa nos meses anteriores, podem obter até quatro ingressos cada. Completado o processo de credenciamento e passada a rigorosa segurança, os participantes ganham acesso ao espaço de exposições do CHI Health Center.

É comum que muitos resumam a Berkshire Hathaway aos investimentos emblemáticos em empresas como Apple, American Express, Coca-Cola, Kraft Heinz, além de grandes reservas de caixa e títulos do tesouro. De fato, esses ativos são fundamentais para os resultados. No entanto, a companhia aproveita o momento para demonstrar seu envolvimento com uma diversidade de modelos de negócios além do tradicional.

Buffett frequentemente expressa sua firme crença na economia americana, encapsulada na sua famosa frase: “Never bet against America”. Essa confiança se une às características comuns aos modelos de negócio que ele escolhe: marcas fortes, gestão eficiente e um apelo emocional que ressoa com os consumidores, criando valor duradouro.

Motorhomes, lanchas, casas pré-fabricadas, joalherias, lojas de departamentos, botas country, sorvetes e equipamentos esportivos representam apenas uma amostra dos diversos negócios sob o controle da Berkshire que estavam presentes na conferência.

Além desses aspectos fundamentais, Buffett também busca companhias que fortaleçam seus resultados e contribuam com insights para estratégias de investimento mais amplas. Um exemplo é a BNSF Railway, adquirida pela Berkshire em 2009, que opera uma extensa rede ferroviária cobrindo grande parte dos EUA. Esta companhia desempenha um papel crucial no transporte de uma vasta gama de produtos, desde insumos agrícolas até bens de consumo e materiais industriais. O investimento na BNSF não apenas reflete a crença de Buffett no crescimento sustentado dos EUA, mas também lhe permite entender as tendências econômicas e as demandas de transporte do país.

Outro investimento significativo é na Pilot, uma rede de postos de combustível e centros de serviços, adquirida em 2017. Com mais de 800 locais espalhadas pela América do Norte, que oferecem combustíveis, alimentos, áreas de descanso e até duchas, a Pilot se tornou essencial para motoristas e viajantes.

Brasileiros em Omaha

Havia muitos grupos de brasileiros do mercado financeiro, dos quais alguns veteranos do evento. Eles observaram que a movimentação este ano era visivelmente maior do que nos anteriores, impulsionada provavelmente por fatores como a reabertura da China e, especialmente, o recente falecimento de Charlie Munger, aumentando a ansiedade de ver Warren Buffett, agora com 93 anos, ao vivo.

No dia mais aguardado, acordei às 4h da manhã e cheguei à frente do CHI Health Center às 5h, encontrando já uma imensa fila de entusiastas esperando para conseguir lugares próximos a Warren Buffett. Os portões só abririam às 7h e com o céu ainda escuro, o frio de 8 graus e os fortes ventos, a espera não foi simples. Felizmente, havia café gratuito perto da entrada, aliviando um pouco o desconforto.

Por estar com uma credencial de imprensa, consegui entrar antes do grande público, às 6h30. Aproveitei o tempo para conversar com os primeiros na fila, vindos de Taipei, em Taiwan, que me disseram ter chegado à 1h30 da madrugada e já mostravam sinais claros de cansaço. Assim que os portões abriram, as pessoas passavam pela revista e corriam em direção à arena, esticando o braço em direção a mesas repletas de pretzels, cinnamon rolls, biscoitos, Coca-Cola, Sprite e água disponíveis para aguentar outras tantas horas do lado de dentro.

Plateia cheia à espera da abertura da conferência anual da Berkshire Hathaway neste sábado (6), em Omaha. Crédito: Henrique Esteter

Consegui sentar na quinta fileira, logo atrás da área reservada ao VIPs – que, como esperado, causaram alvoroço. O momento de maior agitação foi a chegada de Tim Cook, especialmente porque os três grandes telões na parte superior do auditório transmitiam o evento ao vivo. Pouco antes de sua entrada, a Berkshire havia anunciado resultados financeiros mostrando uma redução significativa no investimento na Apple.

A filmagem de Cook ao vivo se alternava nos telões com os detalhes da venda das ações. Logo depois, Bill Gates, fundador da Microsoft, roubou a cena. Ele e Buffett são bons amigos. A arena ficou tão cheia que algumas pessoas sentaram atrás do palco, sem vista alguma para onde Buffett apareceria.

Uma homenagem

Tradicionalmente, o evento começa com a exibição de um vídeo de cerca de 20 minutos celebrando de forma bem-humorada as figuras lendárias da companhia. Este ano, a homenagem foi dedicada a Charlie Munger, mostrando momentos divertidos compartilhados pela dupla, incluindo participações em cenas com os personagens de Breaking Bad e The Office.

Após esses momentos memoráveis, as luzes finalmente focaram em Warren Buffett, que estava sentado ao lado de Greg Abel, o futuro CEO da Berkshire, e Ajit Jain, Vice-Presidente de Operações de Seguros. Mantendo a tradição, Buffett iniciou discutindo os resultados financeiros recentes antes de abrir para uma extensa sessão de perguntas e respostas, que se prolongou por mais de seis horas.

Gregory Abel, vice-presidente que supervisiona as operações não relacionadas a seguros da Berkshire Hathaway, conversa com acionistas durante a assembleia anual de acionistas da Berkshire Hathaway Inc em Omaha, Nebraska, EUA. 3 de maio de 2024. REUTERS/Scott Morgan

Dois momentos foram particularmente marcantes para mim. O primeiro, quando Buffett, ao passar a palavra para Abel, o chamou de “Charlie”, como se referia a seu longevo parceiro. Esse lapso momentâneo despertou uma reação calorosa da plateia, com um ‘own’ coletivo antes de aplausos efusivos. O segundo foi a mensagem final, em que Buffett expressou seu desejo de ver todos novamente no próximo ano, assim como sua esperança de estar presente também.

O fim de semana terminou com um evento típico do estilo Faria Lima: uma corrida na manhã de domingo de 5 km patrocinada pela Brooks, uma das empresas de artigos esportivos sob o guarda-chuva da Berkshire.

A experiência de estar em Omaha para a conferência da Berkshire me fez concordar com algo que sempre ouvi de outras pessoas: todo entusiasta do mercado de ações precisa ir uma vez na vida até lá.

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