Oito membros republicanos do Congresso escreveram ao secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, instando-o a explicar as discrepâncias entre a reportagem da CNN no mês passado sobre o ataque do Estado Islâmico-K que levou à morte de 13 militares dos EUA e 170 afegãos perto do aeroporto de Cabul em agosto de 2021, e as conclusões de duas investigações do Pentágono sobre o incidente.
A reportagem da CNN revelou que houve muito mais episódios de tiros do que o Pentágono já admitiu, na sequência do ataque suicida nos últimos dias da evacuação americana de Cabul. A reportagem incluiu um vídeo obtido pela CNN e que não havia sido visto publicamente na íntegra ainda feito por uma câmera GoPro de um fuzileiro naval.
A carta foi enviada na terça-feira (7) por congressistas do Comitê de Relações Exteriores da Câmara e apresentou uma série de perguntas incisivas ao Pentágono sobre as suas investigações sobre o que foi o incidente mais mortal no Afeganistão em décadas – um ponto final brutal e sangrento para a guerra mais longa dos EUA.
Os oito congressistas, cinco dos quais são veteranos com experiência no Afeganistão, instaram Austin “nos termos mais fortes possíveis a explicar a discrepância entre os resultados da investigação do CENTCOM (Comando Central dos EUA) e essa nova reportagem” da CNN.
Grande parte da controvérsia sobre as duas investigações do Pentágono sobre o ataque focou nos tiros que se seguiram à explosão. Alguns fuzileiros navais disseram aos investigadores militares que sentiram que estavam sendo alvejados ou abriram fogo, e 19 sobreviventes afegãos disseram à CNN em 2022 que foram baleados ou testemunharam afegãos sendo baleados.
Mas as duas investigações do Pentágono – divulgadas em fevereiro de 2022 e no mês passado – concluíram que o único tiroteio que se seguiu veio das tropas dos EUA e do Reino Unido em três rajadas de tiros que foram “quase simultâneas” e não atingiram ninguém.
Em sua carta, os membros do Congresso disseram que “não está claro o que gerou esse ponto de dados do CENTCOM de tiros quase simultâneos” em três rajadas, o que é “diretamente contrariado pelas imagens de vídeo obtidas pela CNN, que mostram 11 episódios de tiros durante quase quatro minutos”.
Os congressistas acrescentaram que, depois da CNN ter publicado as imagens da GoPro, o Pentágono garantiu ao Comitê de Relações Exteriores da Câmara que não tinha visto o vídeo antes da publicação, mas que o vídeo não contradizia as conclusões das suas investigações.
“Embora apreciemos a investigação do CENTCOM sobre o ataque a Abbey Gate, quase três anos depois ainda temos as mesmas perguntas que os próprios militares dos EUA vistos no vídeo da CNN tinham, incluindo quem estava disparando os tiros e se era o Talibã ou outra força hostil. Pedimos, portanto, que esclareçam o volume, a incidência e as fontes dos tiros no local”, escreveram os membros do Congresso.
Os congressistas – Mike Waltz, Darrell Issa, Tim Burchett, Brian Mast, Rich McCormick, Keith Self, Cory Mills e Chris Smith – solicitaram novas ações por parte dos investigadores. A reportagem mais recente da CNN incluiu uma entrevista com o ex-chefe de um grande hospital de Cabul, Dr. Sayed Ahmadi, que disse que ele e sua equipe retiraram balas de pacientes do incidente e que mais de 70 dos mortos em seu hospital tinham ferimentos de tiros.
A carta pergunta por que é que os investigadores do Pentágono não falaram com o Dr. Ahmadi, ou com qualquer outro afegão. O Pentágono afirmou que todos os relatos de ferimentos à bala estão errados e que as testemunhas que se lembram de tiroteios extensos – quer contra fuzileiros navais ou contra civis afegãos – estão sofrendo os efeitos de uma concussão explosiva ou lesão cerebral traumática.
“Por último, por que os jornalistas têm esses vídeos e o Departamento não? Há mais alguma filmagem em posse do Departamento que ainda não tenha sido divulgada? Em caso afirmativo, divulgue essas imagens imediatamente e confirme que não existem mais gravações de vídeo de que o Departamento tenha conhecimento”, acrescentaram. “A verdade deve ser revelada”.
O Gabinete do Secretário de Defesa disse à CNN em nota que, como acontece com toda a correspondência do Congresso, responderia diretamente aos membros que escreveram a carta.
“Honramos o serviço e o sacrifício dos nossos treze militares que foram mortos em Abbey Gate e continuamos totalmente empenhados em garantir que as nossas famílias Gold Star tenham o apoio e as informações de que necessitam. Essa será sempre uma obrigação sagrada para o Departamento de Defesa”, disse James Adams, porta-voz do departamento.
Pais acusam Pentágono de ser enganoso
O crescente escrutínio do ataque pelo Congresso ocorre no momento em que os pais de sete fuzileiros navais que morreram no incidente – Jared Schmitz, Humberto Sanchez, Taylor Hoover, Nicole Gee, Kareem Nikoui, Hunter Lopez e Rylee McCollum – acusaram o Pentágono de enganá-los.
“Como pais, sempre suspeitamos que não nos contaram toda a verdade sobre como nossos filhos foram assassinados no Abbey Gate em 26/08/21. A recente descoberta de um novo vídeo divulgado pela CNN contradiz e expõe diretamente mentiras de nossa recente reunião no mês passado com funcionários do CENTCOM”, disseram as famílias Gold Star em nota enviada à CNN.
“Estamos consumidos pela raiva da traição da administração Biden. Esse é apenas o começo para expormos o encobrimento que ocorreu e ainda está ocorrendo. A administração Biden quer que partamos silenciosamente, mas não iremos!”, acrescentaram eles.
O novo comandante do CENTCOM, general Erik Kurilla, ordenou em setembro do ano passado uma revisão suplementar da investigação militar de 2022 sobre o incidente, e as famílias dos militares mortos foram informadas no mês passado sobre os seus resultados.
O seu foco era principalmente se o homem-bomba suicida do Estado Islâmico-K poderia ter sido detido e determinou que o ataque “não poderia ter sido evitável no nível tático”. As famílias há muito sustentam que mais poderia ter sido feito para deter o homem-bomba suicida do Estado Islâmico-K.
A carta e a declaração surgiram quando o CENTCOM divulgou mais de mil páginas de relatos de testemunhas e evidências da revisão suplementar. As 1.214 páginas oferecem uma variedade de relatos das consequências da explosão, alguns dos quais parecem apoiar as conclusões da revisão suplementar. Outros ainda contêm depoimentos de testemunhas inéditas sobre tiros na sequência, o que parece contrariar as conclusões das duas investigações.
Dois aparentes relatos dos fuzileiros navais sobre as consequências da explosão fornecem descrições semelhantes de um membro do pessoal dos EUA sendo acalmado enquanto tentava carregar uma metralhadora pesada calibre .50 em uma torre de atiradores que dava para o local da explosão e, aparentemente, não disparou a arma. Os nomes do pessoal dos EUA foram redigidos.
Um dos militares relembrou: “Os fuzileiros navais no terreno estavam atirando em direção ao local da explosão. Mas não vi ninguém atirar em nós”. Ele acrescentou que o tiroteio continuou por “provavelmente alguns minutos”, e então ele se lembrou de ter ouvido: “um sargento Gy [sargento de artilharia] gritou para a torre dizendo que estávamos pegando armas pequenas para encontrá-los e matá-los. Não tenho certeza do nome dele”.
Outra testemunha ocular disse que ele estava dentro da torre do atirador acima do local da explosão quando dois tiros atingiram a janela à sua frente e um terceiro tiro não o acertou por pouco.
As evidências também sugerem que o Pentágono pode ter mais imagens de vídeo do que disse ter em público. Um militar disse que havia nove drones operacionais no aeroporto logo após a explosão e que ele assistiu à transmissão desses drones por três horas.
O Pentágono divulgou cinco minutos editados de imagens do rescaldo. O relato também diz que “ISR” – provavelmente uma câmera de vigilância – estava disponível no local logo após a explosão. Nem todas essas imagens foram divulgadas. Em outro relato, um fuzileiro naval parece entregar uma GoPro para a equipe de revisão suplementar.
O tenente-coronel do Exército, Rob Lodewick, conselheiro de assuntos públicos da equipe de revisão suplementar, disse que as duas investigações mantiveram seu “foco máximo” de uma forma “transparente, exaustiva e conclusiva” para as famílias dos militares americanos mortos, militares dos EUA e público. “Quaisquer acusações de tentativa deliberada [por parte de oficiais militares] de enganar permanecem categoricamente falsas”.
No entanto, acrescentou que os investigadores “reconhecem o potencial para o surgimento de novas informações ao longo do tempo” e que o CENTCOM “aceita qualquer informação e imagens adicionais disponíveis para ajudar a garantir uma compreensão abrangente do ataque a Abbey Gate a partir de tantas perspectivas quanto possível”.
Lodewick observou que a equipe de revisão compilou 4 mil páginas de evidências e “considerou a totalidade das informações, fornecidas por mais de 190 entrevistas, ao concluir que não houve ataque complexo”. Ele acrescentou que todas as “imagens, incluindo imagens pessoais da GoPro fornecidas voluntariamente, foram minuciosamente examinadas” e tratadas “de acordo com as políticas do Departamento de Defesa e Serviço”.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Congressistas exigem respostas após contradição ao ataque no aeroporto de Cabul no site CNN Brasil.
