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Ruínas de manicômio em Itaquaquecetuba lembram importância da luta antimanicomial

Unidade teve cerca de 600 leitos e funcionou por duas décadas. Psicóloga que trabalhou no fechamento da unidade em 1995 afirma que a maioria dos pacientes poderia ser tratada em casa. Dia Nacional da Luta Antimanicomial: entenda a importância da data
Durante cerca de duas décadas Itaquaquecetuba teve um manicômio que tinha cerca de 600 leitos: o Instituto Modelo, conhecido como Imil. Uma psicóloga que trabalhou no fechamento da unidade em 1995 afirma que a maioria dos pacientes poderia ser tratada em casa. As estratégias para tratamento psiquiátrico mudaram muito de lá para cá e, nesta quinta-feira (18), Dia Nacional da Luta Antimanicomial, o debate é para que medidas assim não voltem a ser adotadas com pacientes da saúde mental.
O Imil ficava em uma avenida de Itaquaquecetuba, no Jardim Silvestre. Atualmente apenas dois muros que faziam parte da fachada do lugar lembram que no local viveram centenas de pessoas com algum tipo de transtorno.
O local é conhecido por alguns moradores como “antigo hospital”, mas nem todo mundo sabe o motivo. “Eu fiquei curioso por causa do nome. Aqui chama de hospital e eu sempre quis saber o porquê de hospital. Uma moradora que mora aqui há bastante tempo me contou a história de como era aqui”, lembra o ajudante geral Kelvin Souza de Carvalho.
A técnica de enfermagem Maria de Lourdes Ferreira trabalhou no hospital e conta que os atendimentos na época eram bem precários. Ela relembra que até uma rebelião aconteceu em 1977 e três pessoas internadas acabaram fugindo. O fato chamou a atenção da imprensa que noticiou a confusão, mostrando como tinha ficado o refeitório, todo destruído.
“Em 78 que eu trabalhei lá foi fechado por motivo de uma rebelião. Eles fizeram uma rebelião e foi fechado porque eles quebraram tudo o hospital. Quando foi no final de 78 reabriu com outro nome. Eu acho que o tratamento deveria ser bem diferente. Cada ala tinha 52 pacientes para dois funcionários, então era pouco. Eu dava uma mão em todas as alas que precisavam. Várias doenças, tinha o doente mental e tinha os dependentes químicos.”
Maria das Graças da Cruz era caseira do lugar e conta que as dificuldades enfrentadas levaram ao fechamento da unidade. “Tinha aqueles funcionários que eram meio esquentados, alimento fora de geladeira. O estado veio e fechou por 15 dias. O pessoal entrava e invadia, levando as coisas”, relembra.
A unidade foi fechada em 1995 depois de uma supervisão feita pela Secretaria Estadual de Saúde, que identificou várias inadequações.
“O hospital passou por várias avaliações por uma equipe de supervisores da Secretaria Estadual de Saúde da época em 1995. E essa equipe colocou tempo e cronograma para o hospital se adaptar às necessidades e ele não conseguiu. Então, quando terminou o prazo de adequação nós tivemos que desativar, nós descredenciamos do SUS e aí uma equipe de profissionais da região, funcionários públicos, veio para o hospital para poder desativar e avaliar todas as pessoas que estavam internadas. Praticamente todos, até pela condição de vida que eles tinham aqui, apresentavam algum transtorno. Mas o que a gente percebeu na avaliação que quase nenhum precisava estar aqui. Nós tivemos que transferir alguns para outros hospitais porque a gente não achava família. Porque quando a gente achava família, a família recebia e a pessoa começava a fazer o tratamento fora do hospital”, explica a psicóloga Creuza dos Santos que trabalhou no fechamento da unidade.
Em 1974, o país passava por um grande surto de meningite. Na época pelo menos 138 pacientes com a doença estavam internados e eram tratados dentro do hospital psiquiátrico. Creuza voltou no local quase 30 anos depois. Ela avalia que o espaço está bem diferente do que já foi um dia. Ruas e casas foram sendo construídas e uma nova história sendo contada. “Eu vim desde a época da avaliação e era uma coisa horrível. Uma coisa que a gente não vê normalmente. As paredes, as camas, o chão, o lugar onde eles comiam. Tudo era uma coisa muito horrível. Você não conseguia imaginar que uma pessoa doente, um ser humano era tratado daquela forma.”
Geise Lilipuziano da Silva conta que tinha uma tia com problemas mentais que foi internada na unidade. Com o fechamento, ela foi para casa de familiares e hoje está bem. “Tem problemas mentais e ela ficou um bom tempo internada. Aí no caso depois que o hospital fechou, ela saiu daqui e começou a morar com a minha avó. Depois disso dessa internação ela teve o tratamento certo, a medicação certa, a injeção certa. Hoje se você olhar para ela acha que é normal. Se a pessoa tiver tratamento pode recorrer e ter uma melhora. Se buscar ajuda realmente consegue melhorar, minha tia foi uma delas.”
A psicóloga Creuza destaca que dependendo do cuidado que é feito com o paciente, a doença pode ficar mais ou menos grave, e que a data de hoje mostra bem como é essa luta. “Confinar não é tratamento e foi uma luta importante para gente conseguir trazer essa verdade que quando as pessoas são tratadas fora do ambiente de confinamento elas melhoram, elas ficam mais felizes, as famílias ficam melhores. Então, a luta antimanicomial, ela garantiu que as pessoas olhassem para isso. Então na luta você tem pessoas usuárias do serviço, mas você tem muitos familiares que começaram a entender diferente, que começaram a investir naquelas pessoas. Então, hoje tem um quadro que ainda falta muito em que investir, mas muito melhor que foi antes quando a gente só tinha manicômio.”
Manicômios judiciais
O Conselho Nacional de Justiça publicou a resolução 487, de 2023, que institui a política antimanicomial no poder judiciário.
A doutora em direito Patrícia Magno, que é defensora pública do Rio de Janeiro, ajudou a escrever a resolução. Ela fez uma tese de doutorado sobre o trabalho nos manicômios judiciários do Rio de Janeiro.
“A resolução do CNJ não é nova lei, ela é uma forma de trabalho. Ela explicita a política pública judicial para enfrentamento das pessoas que estão hoje nos manicômios judiciários. É o pagamento de uma dívida histórica, porque ela chega com muito atraso, 22 anos depois da lei 10.216, que é de 2001, reformar a psiquiatria aqui no Brasil e reorientar o modelo de tratamento. No sistema de Justiça a gente tem um débito, uma dívida com as pessoas que também tem transtornos mentais e estão nos hospícios judiciários.”
A defensora observa que já existe uma normativa para as pessoas que vão sair dos manicômios judiciários. “Elas já saem do manicômio para o sistema único de saúde para rede atenção psicossocial. Quando a gente diz ‘tem que tirar do manicômio’ não é tirar e largar as pessoas sem tratamento não. É entregar o tratamento ao qual ela tem direito. Então ela vai ter um projeto terapêutico, que vai responder onde ela vai se tratar, onde ela vai frequentar, quem é o técnico de referência, vai morar onde, vai viver do que, tudo isso é feito dentro da política do SUS. O Piauí já fechou manicômio e não houve onde de crimes.”
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