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“Tem que ser mulher macho”: As vivências de ser mulher nas ruas

Há 4 anos, Marcela mora com a companheira Renata em uma casa localizada na zona leste de Natal. Marcela, conhecida como “Mamuska” ou “Mãe da Rua”, conta que a residência foi um refúgio para onde ambas se fixaram após a gravidez de Renata, que é mãe de Mary Reneesmy. Antes, as duas mulheres viviam nas ruas.

Atualmente, elas conseguem renda com o auxílio do bolsa família e também com o ato de “manguear”, como caracteriza Marcela, que significa ir até às ruas pedir dinheiro, “uma ajuda” às pessoas que passam. Enquanto a Mamuska, como é chamada, fica em casa, cuidando dos afazeres domésticos, Renata sai para conseguir o tanto de dinheiro possível pedindo nas ruas.

Chego na casa de Marcela para saber mais sobre a história da família. Antes de entrar, Reneesmy, de 4 anos, já me recebe no portão. Ela faz questão de fazer com que eu me sinta à vontade na casa e de oferecer água. Marcela me revela que também cria o sobrinho Efraim, já que a irmã está em privação de liberdade. Além disso, atualmente também acolhe na casa uma amiga que também enfrentou a situação de rua e que está grávida. Eu e Marcela nos sentamos para começar a gravar o relato. A partir dali, a Mamuska me contou mais sobre o que ela lembrava a respeito das vivências de uma pessoa em situação de rua.

Originária de Natal, Marcela foi criada em Extremoz (RN) durante a infância. Ela tem 39 anos e começou a viver nas ruas desde os 23, no baldo, localizado na Cidade Alta, zona leste de Natal. O caminho para isso foram as drogas. 

“Eu tinha um companheiro (não culpo ele hoje, mas antigamente eu culpava) que me traiu. Nessa época, pra sustentar meus filhos, eu tive que ser traficante. Devido a ele me trair com ‘as viciadas’, eu acabei caindo na droga. E eu batia de porta em porta [pra conseguir emprego] mas não tinha estudo, não tinha currículo”, revela Marcela.

Na época, ela tentou o caminho da venda de água para conseguir trazer renda para ela e os filhos, que são três (hoje, uma com 17, um com 20 e outro com 21 anos). No entanto, logo viu que a renda era baixa para conseguir alcançar o objetivo que tinha. “Eu achava pouco pois eram três crianças pequenininhas”, explica. Assim, ela começou a trabalhar com o tráfico de drogas. “Se eu juntasse o dinheiro que eu ganhei de quando eu vendia drogas, hoje eu já tinha comprado uma casa”, conta.

Hoje, Marcela desabafa sobre como o período foi difícil.

“O crack é uma droga que eu não quero pra vida de ninguém, porque ela transforma a gente como se fosse um escravo do diabo”.

Mulher na rua tem que ser “mulher macho”

As vivências de uma mulher que vive em situação de rua são ainda mais agravadas pelo assédio sexual sofrido e os abusos. Para Marcela, o caminho foi enfrentar os homens que tentavam se aproveitar dela.

“A situação da mulher na rua é a seguinte: A gente tem que ser mulher homem e pulso forte. É uma lei: todo canto tem sua lei, e na rua também tem. Ou você é forte ou não é”, argumenta.

“Já furei homem que quis me agarrar. Tem muito homem que assedia e que quer estuprar. Mulher na rua tem que ser as duas coisas: mulher macho”, conta Marcela.

Além disso, a higiene era uma questão muito delicada para Marcela ao viver nas ruas. Um exemplo é o da dificuldade de absorventes e limpeza durante o período menstrual.

“É aquela coisa, a gente só usa o pano. Às vezes não tinha banho pra tomar e tinha que trocar suja mesmo”, relembra.

Com o tempo, Marcela passou a frequentar um albergue na Cidade Alta. O espaço possibilitava a ela tomar banho e se alimentar. “Mas é aquela coisa, a gente quer mais. Uma habitação, saúde e trabalho”, confessa.

O companheirismo e as perspectivas das mudanças de vida

Quando eu pergunto sobre a companheira Renata, Marcela começa a me explicar que, quando se conheceram, a Mamuska estava “cheia de dinheiro”, pois na época praticava roubos para sustentar o vício nas drogas. Nesse momento, a gente foge um pouco do assunto da Renata e passa a conversar sobre a mudança que ocorreu na mente de Marcela.

“Não vou ser hipócrita, muitos moradores de rua roubam, sim, para sustentar o vício. Mas, quando eu aprendi a trabalhar, aí eu acordei pra vida que aquilo não dava futuro”, conta Marcela, que passou a trabalhar em um ponto em frente ao albergue da Cidade Alta, “lavando e pastorando carro”.

O motivo que fez Marcela querer mudar de vida de vez foi uma violência policial sofrida, quando cinco policiais militares se uniram para violentá-la ao mesmo tempo. “Com essa surra eu fiquei sem saúde, né? Meus dentes quebraram, minha clavícula é quebrada”, conta.

“Aí, quando eu conheci ela [Renata], eu tava cheia de dinheiro. Eu com 23 e ela com 18 anos”, continua a Mamuska, que conheceu Renata logo quando iniciou no mundo das drogas. Marcela relata que em um episódio ela começou a dar conselhos para “sair daquela vida” à hoje companheira e, assim, Renata se apaixonou por ela. “Só que eu não gostava de mulher, eu gostava de homem”, conta Marcela.

Há quase 5 anos elas se encontraram e “se juntaram”, como me revela Marcela. “Quando a gente se reencontrou, eu já não tava mais com ninguém, e eu sabia que ela já era apaixonada por mim e eu gostava dela, a gente se juntou”, explica. “Eu até tentei me internar, mas quando voltei pras ruas, voltou tudo pro mesmo jeito. A minha cura foi conhecer Renata”.

Quando passaram a morar juntas, foi em busca de uma melhor qualidade de vida para Reneesmy. “A gente odeia o pai, mas quando ela [Renata] engravidou, a gente teve consciência de que precisávamos alugar um canto pra morar. A criança não tinha culpa de vir ao mundo, né?”, explica. Marcela diz isso pois a criança de 4 anos é fruto de um abuso sofrido por Renata. Ela ainda me conta que, na época, não tirava a razão da vontade que Renata teve de não dar continuidade à gravidez, mas que deu todo o apoio necessário para o caso em que ela quisesse continuar.

A criança nasceu e recebeu o nome em homenagem à personagem da saga Crepúsculo, com apenas algumas mudanças na ortografia, que foram intencionais. Marcela me conta que a escolha do nome tem significado, já que a criança do filme veio de uma relação complicada, de dois mundos diferentes, e era “indesejada no começo”, explica.

O preconceito lgbtfóbico é uma questão que ambas passaram a lidar. Mas Marcela conta como costuma reagir diante dessas situações: “Em todo canto tem preconceito, mas eu já passei por tanta coisa que já tô calejada, com a casca grossa, que quando apontam pra mim ou falam eu só digo: deus abençoe a sua vida, viu, meu filho”, revela com confiança. “Eu sou tão feliz que não vou mais discutir.”

Se encontrando na luta coletiva

Foto: cedida

Além da família, hoje os maiores apoios para Marcela estão na religião e no movimento social. Ela faz parte do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR ou PopRua), que atua em vários estados do Brasil, inclusive no Rio Grande do Norte.

“O movimento ocupou a minha mente, abriu meus olhos e cada reivindicação que a gente faz é ajudando o próximo”, revela.

Ela não consegue se lembrar do ano, mas diz que conheceu a PopRua em uma das eleições para lideranças do movimento, na Ribeira, em Natal.

Ela compartilha, por exemplo, as conquistas que conseguiu a partir da luta no albergue, como a possibilidade da abertura durante o dia todo. “Lá, depois do almoço fechava e só abria de duas horas. Aí chegou um dia que eu queria fazer as minhas necessidades, mas me disseram que não podia abrir, já que estava no horário de almoço”, relata. “Mas de tanto eu e o povo reivindicar, hoje é o dia todo aberto”. Nessa época, ainda chegou a fazer alguns cursos, como o de doces. “Mas como é que eu ia fazer doce vivendo na rua?”, questiona.

Marcela diz que a parte boa nas ruas chegou para ela nesse período em que se fixou no baldo, mesma época em que as outras pessoas do local passaram a chamá-la carinhosamente de Mamuska. Ela destaca, inclusive, que não são todas as pessoas em situação de rua que vão “para usar droga, pra roubar”, mas sim pela necessidade que surge com o desemprego e o distanciamento com a família, por exemplo. “Os moradores de rua que viviam ao meu redor diziam ‘você é a minha Mamuska’, e eles queriam dizer que eu era mãe deles. É aquela coisa: o morador de rua pode ser o que ele for, mas se você der carinho e apoio a ele, vira um gatinho. Às vezes é só dar um abraço e acolher.”

O retrato da dor

Nesse momento, já faz algum tempo de diálogo. Eu pergunto se tem mais coisas que Marcela queira me falar que eu não tenha perguntado ainda. Então, ela pega o celular e me fala de uma poesia que, segundo ela, faz questão de sempre recitar nos congressos que participa com a PopRua. O texto é intitulado “Lua Nova Demais”, de Elisa Lucinda.

Durante a leitura e interpretação que Marcela faz da poesia, ela precisa parar mais de uma vez por não conseguir conter as lágrimas. Mas, mesmo emocionada, vai até o final.

“Ela lua pequenininha

não tem batom, planeta, caneta,

diário, hemisfério,

Sem entender seu mistério,

ela luta até dormir

mas é menina ainda;

chupa o dedo

E tem medo

de ser estuprada

pelos bêbados mendigos do Aterro

tem medo de ser machucada, medo.

Depois menstrua e muda de medo

o de ser engravidada, emprenhada,

na noite do mesmo Aterro”, diz um trecho da poesia que Marcela declara.
“Eu não preciso dizer mais nada, é só ler essa poesia que você entende o que a gente passa na rua”, diz Marcela.

Essa reportagem faz parte do projeto “Ser Mana, Mulher”, idealizado pela Agência SAIBA MAIS para produção de pautas dedicadas a temas que impactam diretamente a vida das mulheres, ao tempo que contamos as histórias de Mulheres.

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