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Aniversário do Recife e de Olinda: relembre a Guerra dos Mascates, que separou ‘cidades-irmãs’, e veja histórias de comerciantes atuais


Nesta terça-feira (12), capital pernambucana comemora 487 anos; e a Marim dos Caetés, 489. O g1 recorda disputa de poder entre comerciantes e senhores de engenho. Vista do Recife a partir de Olinda, atual e antiga capitais de Pernambuco
Reprodução/TV Globo
Recife e Olinda comemoram, respectivamente, 487 e 489 anos nesta terça-feira (12). Chamadas de “cidades-irmãs” por serem vizinhas e fazerem aniversário na mesma data, nem sempre tiveram uma convivência pacífica. Há mais de três séculos, quando o Brasil era uma colônia de Portugal, elas rivalizavam entre si e protagonizaram um conflito armado que se estendeu por mais de um ano: a Guerra dos Mascates.
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Entre 1710 e 1711, a atual e a antiga capital pernambucana travaram uma guerra. O conflito foi causado a partir de uma disputa de poder entre os ricos comerciantes portugueses que atuavam na zona portuária do Recife e os senhores de engenho que, da Cidade Alta de Olinda, governavam todo o território da então capitania de Pernambuco.
No entanto, não é bem verdade dizer que as duas cidades entraram em confronto, já que, até então, elas eram uma só. E foi a partir da Guerra dos Mascates que as “irmãs” começaram a se separar.
“Os olindenses pegaram em armas e invadiram o Recife. E ficaram alguns meses nessa contenda, os recifenses tentando se proteger das investidas dos olindenses”, contou o professor de história Ricardo Gomes.
A Guerra dos Mascates foi um conflito movido por elites locais que tinha como pano de fundo um forte preconceito social.
“Os olindenses, menosprezando os comerciantes portugueses do Recife, os chamavam de ‘mascates’. E ‘mascate’ seria o quê? Camelô, ambulante. E os comerciantes do Recife devolviam esse caráter pejorativo, chamando os olindenses de ‘pé-rapados’, sinônimo de ser pobre, de ser ‘liso’, como se diz na linguagem pernambucana”, disse Ricardo Gomes.
Vizinhas e rivais
Até aqueles primeiros anos do século 18, o Recife era uma área urbana que, oficialmente, pertencia a Olinda. Embora já existisse como povoado, ao menos, desde 1537, foi somente em 1709 que o Recife se tornou uma vila. Essa mudança de status desencadeou a guerra no ano seguinte.
Para entender melhor como tudo isso aconteceu, é preciso voltar um pouco no tempo, mais precisamente cerca de 50 anos antes, quando os holandeses ocupavam parte do Nordeste brasileiro, conforme explicou ao g1 Ricardo Gomes.
“Nesse tempo em que os holandeses estiveram aqui, Recife prosperou muito. Era uma das cidades mais modernas do mundo. Aparecia nos mapas como ponto importante do comércio internacional. Aquela parte do Recife Antigo foi modernizada, não para Pernambuco, mas para o bem-estar deles [dos holandeses]”, afirmou o historiador.
Após a expulsão dos holandeses em 1654, muitos senhores de engenho que tinham saído de Pernambuco voltaram para Olinda. Mas, ao retornarem, encontraram uma situação muito diferente da que tinham deixado, com a economia açucareira em decadência frente à concorrência com as Antilhas e um Recife mais moderno e comercial, habitado por comerciantes de origem portuguesa.
Ainda de acordo com Ricardo Gomes, esses ricos comerciantes mantinham uma relação bem próxima com os governadores da época e, assim, conseguiram convencer Portugal a elevar o Recife à condição de vila, o que foi feito no dia 19 de novembro de 1709 por meio de uma Carta Régia. A medida desagradou à aristocracia olindense.
“Recife teria sua própria Câmara Municipal. (…) Os olindenses ficaram desesperados porque, o governo português dando ao Recife à condição de vila, Recife não teria mais que pagar impostos. Então, Olinda ia perder uma arrecadação muito grande”, afirmou o professor de história.
Além disso, havia um descontentamento com os valores dos empréstimos concedidos pelos comerciantes do Recife aos aristocratas de Olinda, que, muitas vezes, tinham seus produtos confiscados quando não pagavam as dívidas.
Ruínas da antiga Câmara de Olinda, localizadas em frente ao Mercado da Ribeira
Reprodução/Google Street View
Atentado, grito pela república e repressão
De acordo com Ricardo Gomes, o estopim da guerra se deu em fevereiro de 1710, quando o então governador de Pernambuco, Sebastião de Castro e Caldas, sofreu um atentado à bala e fugiu para a Bahia, abrindo caminho para uma tumultuada disputa pela sucessão.
“Os olindenses se reuniram e resolveram botar um interino, que seria um bispo chamado Dom Manoel Alves da Costa. E não houve consenso. O bispo disse que não tinha condições de gerenciar o problema e entregou o governo a uma junta. E não houve aceitação, principalmente no Recife. Nesse meio-tempo, uma vez que o Recife já tinha se preparado e organizado a Câmara Municipal, os olindenses pegaram em armas e invadiram o Recife”, contou.
Todo o resto do ano foi marcado por embates entre tropas ligadas aos dois grupos nos arredores do que hoje é o Bairro do Recife.
No meio do conflito, em 10 de novembro, um vereador de Olinda, o aristocrata e militar Bernardo Vieira de Melo, teria defendido, numa sessão na Câmara da cidade, a proclamação de uma república, em Pernambuco, aos moldes da cidade italiana de Veneza. Por conta do episódio, conhecido como Grito de República, a data é feriado na cidade.
“Quem primeiro sugeriu, no Brasil, uma república teria sido Olinda, porque lá estava esse vereador (…). Mas nem todos os historiadores aceitam que isso tenha acontecido. Por uma razão muito simples: na ata de reunião da assembleia em Olinda, está faltando a folha desse dia. Não existe a folha com o registro da sessão em que você poderia encontrar que o secretário teria escrito dizendo que o vereador sugeriu que proclamássemos uma república”, explicou Ricardo Gomes.
Verdade ou não, o governo português, temendo que o confronto pudesse resultar num movimento de insurreição, resolveu intervir, nomeando, para o governo de Pernambuco, o aristocrata Félix José Machado de Mendonça.
“Ele mobiliza suas tropas, faz a repressão e prende os líderes radicais, que são levados a Lisboa e morrem por lá. Os moderados são perdoados aqui. Um desses presos é Bernardo Vieira de Melo”, afirmou.
Após a Guerra dos Mascates, o Recife garantiu a autonomia política, mantendo a própria Câmara Municipal e consolidando seu grau de influência na região. Com a economia açucareira em declínio, Olinda foi perdendo o posto de principal centro urbano da capitania à medida que a vila portuária ao lado crescia a passos largos, tornando-se cidade em 1823, e, apenas quatro anos depois, a capital de Pernambuco.
Para o professor, a Guerra dos Mascates foi “uma briga de cachorro grande”.
“Não foi o povo que fez essa revolta. Quem faz essa revolta são pessoas que têm interesses econômicos consideráveis. Quem está do lado de Olinda são homens ricos. (…) E, no Recife, eram homens ricos também. O povo entra por outra situação, para tomar partido porque mora naquele lugar, mas não porque estava lutando pelos mesmos interesses dos ‘mascates’ do Recife ou da aristocracia açucareira de Olinda”, comentou.
Novos centros e os mascates
Comerciantes contam como se sentem ao trabalhar no Centro do Recife
No aspecto econômico, o grande polo do poder em Pernambuco, o comércio do Recife, ficou nas mãos de portugueses e descendentes. E, ao longo das décadas, o Centro da nova capital se consolidou como símbolo de prosperidade até entrar também em decadência na segunda metade do século 20, quando o dinheiro passou a circular em outros lugares e a descentralização de serviços comerciais, como os shopping centers, impulsionou o crescimento de bairros mais distantes.
Nessa imersão ao passado, o g1 foi até o Centro do Recife e conversou com alguns comerciantes, os verdadeiros mascates que ficaram para trás entre as inúmeras reviravoltas políticas e econômicas ocorridas na cidade ao longo do tempo (veja vídeo acima).
Um deles é Euclides Francisco de Moura, de 70 anos, que trabalha como ambulante na Avenida Dantas Barreto, no bairro de São José. Natural de Panelas, no Agreste do estado, o vendedor, que é conhecido como Evandro, chegou ao local no início dos anos 1970, quando a via sequer tinha sido construída e parte dela ainda era chamada de Rua Augusta.
“Eu vim na fase de uns 14 para 15 anos. Meu irmão morava aqui e me trouxe para morar com ele. Aqui eu fiquei, até hoje. Eu nem lembro mais tudo que eu trabalhei, foi muita coisa. Desde pirralho que eu trabalho vendendo negócio na rua. De tudo já vendi, menos droga. Vendia confeito, vendia laranja…”, contou o vendedor.
Para Evandro, o Centro da capital pernambucana se transformou muito nos últimos anos. “A gente era livre, brincava, corria, não tinha essas pancadarias, não tinha nada. Sabe o que era que tinha? Cinema. A gente ia para o cinema, mas como era menor [de idade], levava puxão de orelha. Na hora, os guardas puxavam, a gente corria para outro. A vida era assim”, descreveu o comerciante.
Com 58 anos de idade e duas décadas consertando utensílios domésticos em São José, Ivelson Rodolfo da Silva, ou Dino das Panelas, também assistiu ao esvaziamento do Centro. Nascido na Zona Norte do Recife, o empreendedor cresceu em Olinda, mas decidiu trabalhar na capital porque, na época, não tinha outras pessoas que oferecessem o mesmo serviço.
“No subúrbio, tem muito ‘curioso’, que dizia que consertava e não conserta, e aqui eu conserto mesmo, levo as coisas a sério. […] Teve uma queda muito grande [de movimento]. Teve uma queda, acho que de uns 50%. Desde que começou a pandemia [da Covid-19] que tudo ficou diferente. Caiu tudo. Lojas fecharam, gente que saiu do ramo”, contou Dino.
Mesmo sem essa memória, as gerações mais novas que chegam ao Centro do Recife também sentem essa falta de liberdade. Morador do Alto do Mandu, na Zona Norte da cidade, o barbeiro José Igor Ferreira, de 24 anos, trabalha há nove meses no camelódromo da Dantas Barreto, em meio à violência e à falta de investimentos em infraestrutura.
“Eu gosto de estar aqui, apesar de todos esses pontos negativos. Eu gosto porque a gente se diverte. A gente trabalha de uma forma agradável… Mesmo com essa criminalidade, que é um pouco alta, a galera que trabalha aqui consegue [ter] um ambiente muito saudável. Mas o que eu quero mesmo é sair daqui. Quero montar uma barbearia maior, com mais pessoas trabalhando para mim. É só questão de tempo para as coisas fluírem”, declarou José Igor.
Euclides Francisco de Moura trabalha como ambulante na Avenida Dantas Barreto, no Centro do Recife, há 50 anos
Iris Costa/g1
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