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Internações forçadas de Balneário Camboriú foram proibidas pela Justiça ainda em 2023

Quatro homens denunciam terem sido abordados pela Guarda Municipal de Balneário Camboriú e internados à força no Instituto Redenção em Biguaçu. As irregularidades dos contratos e das abordagens feitas na cidade não são novidades para o TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), que proibiu o município de realizar as práticas descritas nas denúncias relatadas ao ND Mais após investigações do Ministério Público estadual.

Condução forçada de pessoas em Balneário Camboriú está proibida pela Justiça catarinense desde outubro de 2023 – Foto: Prefeitura de Balneário Camboriú/Divulgação/ND

Antônio* conta que estava na esquina de sua casa, em Balneário Camboriú, quando, perto da meia-noite de 3 para 4 de janeiro, viu se aproximar uma van preta Mercedes, descaracterizada. Sob alegações a Antônio* de que ele seria levado a um posto de saúde e, em seguida, ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), três agentes da Guarda Municipal o abordaram e o levaram ao Instituto Redenção, na unidade de Biguaçu, a 73km de casa, onde ficou por 18 dias.

O relato de Antônio* se assemelha aos de Jairo*, Eduardo* e Felipe* que também foram abordados nas ruas de Balneário Camboriú e levados para internação na comunidade terapêutica em Biguaçu.

A internação involuntária é prevista na legislação federal, mas com previsão apenas para casos excepcionais, com laudo médico individual prévio e dentro de instituições hospitalares especializadas no atendimento de transtornos mentais e dependência química — o que não é o caso de comunidades terapêuticas como o Instituto Redenção.

Violência na abordagem social foi proibida após inquérito do MPSC

A abordagem descrita por Jairo*, Antônio*, Eduardo* e Felipe* foi proibida por uma medida judicial do TJSC em outubro de 2023. O tratamento de pessoas supostamente em situação de rua por parte da prefeitura de Balneário Camboriú é alvo de pelo menos dois inquéritos do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) e de um processo administrativo.

Um deles denunciou a condução forçada e armada de pessoas em situação de rua pela Guarda Municipal e chegou a suspender temporariamente o programa “Clínica Social”, nome dado para a abordagem e condução das pessoas em agosto de 2023.

Na época, a 6ª Promotoria de Justiça da Comarca de Balneário Camboriú apurou que o município realizava a condução forçada de pessoas em situação de rua para outra cidade. Além disso, no período da noite e madrugada a Guarda Municipal foi acusada de realizar a condução à força, com uso de armas e algemas, para o “acolhimento”.

Na denúncia, o Promotor de Justiça Álvaro Pereira Oliveira Melo afirmou que a conduta do município extrapolava o que prescreve a Lei e a Constituição da República, e afirmou que a abordagem armada tinha “concepção preconceituosa”, pois era voltada exclusivamente às pessoas consideradas os “indesejados sociais”.

“Os usuários são conduzidos coercitivamente permanecendo presos, durante a madrugada, sob a custódia armada de agentes públicos, na nítida tentativa de promoção de uma espécie de limpeza social”, avaliou na ocasião.

Em outubro, a liminar foi parcialmente aceita pelo TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina). No voto, o desembargador Hélio do Valle Pereira pontuou:

“Não se pode permitir a institucional estigmatização de minorias, uma criminalização da pobreza. Já não fosse suficiente todo preconceito e situação inimaginavelmente desumana aos quais estão expostos, muitos enclausurados em seus vícios, é indefensável que oficialmente se permita uma higienização social (derivação da aporofobia, que é a aversão a pobres), eclipsando-a na forma de um política pública dita humanizada, mas que na essência prioriza apenas a aparência (uma ideia de que ninguém os veja, que fiquem escondidos)”.

No final da decisão, o TJSC determinou:

  1. A proibição do uso da Guarda Municipal armada para realização de abordagens sociais às pessoas em situação de rua. A Guarda Municipal deverá se restringir apenas às atividades inerentes à segurança pública, mais especificamente no resguardo dos servidores, sem interferir no atendimento, exceto em casos de crimes em flagrante.
  2. Proibida a condução forçada de pessoas em situação de rua para o espaço denominado “Clínica Social”, bem como para qualquer outra localidade (outros municípios)
  3. Permanecer atento aos direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, em especial à autonomia de vontade e liberdade de ir e vir

Conforme o TJSC, a prefeitura de Balneário Camboriú não recorreu da decisão que impôs as proibições. Por sua vez, a assessoria da prefeitura afirmou que “cumpre todas as determinações tidas no processo”, com base em determinações do MPSC.

Balneário Camboriú pode responder por cárcere privado e rapto

Passados cinco meses da decisão do TJSC e de frente com as novas acusações apontadas por esta reportagem, o promotor Daniel Paladino, da 30ª Promotoria da Capital, aponta que a conduta de Balneário Camboriú, caso as acusações de Antônio*, Jairo*, Eduardo* e Felipe* sejam confirmadas, são graves.

“Pode configurar crime de constrangimento ilegal, ameaça, rapto, cárcere privado, além de crime de lesões corporais. Em tese, quase uma dezena de crimes”, pontuou o promotor.

Em janeiro de 2024, Antônio* denunciou ter sido levado à força pela Guarda Municipal de Balneário Camboriú – Foto: Leo Munhoz/ND

Investigação encontrou inconsistências em contrato milionário e chegou a suspender parceria

Em março de 2023, um termo de colaboração de 10 meses feito pela prefeitura de Balneário Camboriú indicava a intenção de pagar cerca R$ 4 milhões para o Instituto Redenção pelos serviços de abordagem social, acolhimento e ampliação e reforma da Casa de Passagem — local em Balneário Camboriú destinado ao acolhimento de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade.

Um processo administrativo movido dentro da prefeitura apurou inconsistências e falhas no termo de colaboração. Conforme o inquérito, a prefeitura de Balneário Camboriú não permitiu que outras instituições participassem do processo de escolha e o uso indevido da verba disponibilizada.

Em abril de 2023, a Comissão de Responsabilização do município determinou a anulação do termo de colaboração entre a prefeitura e o Instituto Redenção e a devolução do saldo remanescente pago à comunidade terapêutica.

Um mês antes, em março de 2023, outro inquérito, do MPSC, também denunciou irregularidades no termo de colaboração entre o município e a comunidade terapêutica. O processo segue aberto na justiça catarinense.

Segundo os autos do inquérito do MPSC, cerca de R$ 170 mil foram devolvidos aos cofres públicos. O portal da transparência do município indica que R$ 613.316,71 foram pagos ao instituto no período em que o termo de colaboração valeu.

No entanto, em setembro de 2023, a prefeitura abriu um edital de credenciamento e contratou novamente o Instituto Redenção para a internação involuntária de pessoas em situação de rua. Conforme o edital, o município paga R$ 1.922,52 para cada pessoa internada contra a vontade.


A série de reportagens “À sombra dos arranha-céus” reúne denúncias póstumas à decisão judicial que proibiu a internação violenta em Balneário Camboriú – Ilustração: Gil Jesus da Silva

A série de reportagens “À sombra dos arranha-céus” revela denúncias de ameaça e agressão na conduta de internação involuntária de Balneário Camboriú junto ao Instituto Redenção. O convênio entre prefeitura e a comunidade terapêutica foi alvo de uma investigação interna e de duas investigações do MPSC, que apuram irregularidades no contrato e denúncias relacionadas à abordagem social.

*Embora os personagens desta série de reportagens sejam reais, os nomes citados são fictícios e resguardam as identidades das fontes

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