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Caso Clarinha: Quem é o médico que cuidou de paciente misteriosa em coma por 24 anos no ES; VÍDEO


Exaltado pelo cuidado e empenho em tentar descobrir a identidade de Clarinha, que ficou 24 anos internada em um hospital em Vitória, Jorge Potratz confessou que nunca imaginou que cuidaria de um mesmo caso por tantos anos. Conheça o médico que cuidou da paciente Clarinha por 24 anos
O coronel Jorge Luiz Potratz ficou conhecido nos últimos anos por ser o médico responsável pelos cuidados com Clarinha, a paciente em coma e sem identificação que ficou 24 anos internada e morreu na quinta-feira (14).
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Capixaba de Santa Maria de Jetibá, na Região Serrana do Espírito Santo, Potratz conheceu Clarinha em junho de 2001, quando ela chegou ao Hospital da Polícia Militar (HPM). O médico tinha completado apenas um mês de trabalho no setor de enfermaria.
“Quando ela chegou, eu até fiquei meio revoltado, por assim dizer. Por que, como médico, você recebe um paciente, faz o diagnóstico, determina o tratamento e devolve a pessoa para sociedade. Curada, se for curável, ou com uma condição crônica que vai ser acompanhada pelo resto, se for o caso”, relembrou.
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Hoje, o médico aposentado de 61 anos vê na própria família a perpetuação da profissão, com a esposa, os dois filhos e as duas noras também seguindo a carreira médica.
Coronel Jorge Luiz Potratz, médico aposentado, cuidou da paciente Clarinha por quase 24 anos em Vitória.
Ricardo Medeiros
Carreira do médico
O sonho de estudar Medicina veio ainda criança, na fazenda do pai, Jorge Potratz. Parte do terreno da família foi cedido para receber uma escola para atender alunos de 1ª a 4ª séries em uma sala multisseriada na zona rural.
O coronel contou que sempre teve um olhar curioso sobre as coisas ao seu redor, gostava de animais e plantas, e falava sobre a vontade de seguir a profissão de médico para os pais e os cinco irmãos. Mesmo após sair da sua cidade, manteve algumas conexões, como a língua pomerana, que sabe falar até hoje.
Depois de passar por Fundão e Santa Leopoldina, chegou a Vitória para avançar nos estudos,. Entrou para a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) na primeira tentativa, e depois teve diversas aprovações em especialização e em concursos.
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Coronel Jorge Potratz, médico que cuidou de Clarinha por 24 anos em que ela esteve internada em coma em Vitória, Espírito Santo
Reprodução/TV Gazeta
Passou por hospitais privados, e, ainda na residência, entrou na Prefeitura de Vitória, primeiro trabalhando em unidade de saúde, depois como codificador de mortalidade, função que ocupa desde 1992.
Ainda em 1989, fez o concurso para Médico Civil do Hospital da Polícia Militar (HPM), em Vitória. Em 1992, fez o concurso militar, foi também aprovado, se desligou como civil e entrou como tenente.
Corpo de Clarinha deve permanecer por pelo menos 40 dias no Departamento Médico Legal
Ficou no setor de UTI nos anos de 1993 até 2001. Em maio de 2001, assumiu o setor de clínica médica, onde chegou a ser diretor clínico.
Contato com a Clarinha
A paciente sem identificação chegou ao Hospital da Polícia Militar já em coma, transferida de outro hospital, também em Vitória, onde havia ficado por um ano depois do acidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000. Ela foi atropelada no centro da Capital.
Apartamento da enfermaria do HPM, em Vitória, onde Clarinha esteve em seus últimos dias. Espírito Santo
Ana Elisa Bassi
Logo no início do atendimento à paciente misteriosa, o médico percebeu que estaria diante de um caso desafiador por vários motivos, como o fato de Clarinha estar em coma e também por não ter qualquer tipo de identificação.
“Mas ali, logo de cara percebi, que não ia rolar isso. Eu não tinha um nome, não tinha para quem entregá-la, e eram sequelas graves. Seria muito cômodo e fácil, leviano até, eu dar um encaminhamento qualquer para qualquer instituição”, entende o coronel.
Paciente Clarinha, que ficou por 24 internada em coma em Vitória, Espírito Santo
Ricardo Medeiros/Rede Gazeta
“Fiz a primeira avaliação, vi que ela não tinha doença nenhuma, era saudável, para além do trauma involuntário surgido com o acidente. Percebi que ali tinha uma pessoa que iria depender completamente da gente. O que a gente planejasse para ela, seria executado. Se planejasse errado, tudo ia dar errado”, contou.
Potratz disse que, já na época, não imaginava quanto tempo ela ficaria ali, naquela situação, internada. “Eu só imaginava que não ia ser fácil. E o meu objetivo a partir daquele momento foi tentar identificá-la”.
Clarinha ficava no quarto 3 da enfermaria do HPM, em Vitória, na cama próxima à janela. Espírito Santo.
Ana Elisa Bassi
O nome Clarinha, surgiu desde o primeiro dia, devido a cor da pele jovem paciente. O entendimento da equipe é que o nome “não identificada” seria incômodo e frio para o tratamento.
“Como ela era muito branquinha, a pele muito clara mesmo, a gente a apelidou de Clarinha. A ideia era que, se algum dia de fato aparecesse a família, a gente mudava novamente”, disse o médico.
O coronel lembra das inúmeras tentativas feitas para se chegar a alguma informação. “Tentamos impressão digital – que ela não tinha -, tentamos buscar características semelhantes em registro de desaparecidos, tentamos a imprensa sem muito conhecimento naquela época. A própria diretoria do hospital não tinha um planejamento”, lembrou.
Caixa com pertences de Clarinha ainda está no HPM, em Vitória. Espírito Santo.
Ricardo Medeiros
“Assim, o tempo foi passando. As enfermeiras, técnicas, toda a equipe de maneira incansável! A gente medicava, via as intercorrências que surgiam, as meninas iam solicitando, fraldas, sabonete, creme… Quando fui ver já tinha se passado 17 anos, até o caso ganhar repercussão”.
Inicialmente, a relação era apenas técnica, mas com o passar do tempo uma afetividade apareceu para toda a equipe. O próprio médico chegou a custear por anos alguns produtos de higiene pessoal da paciente.
“Enquanto eu estava no HPM, ia todo dia visitá-la, falava com ela, perguntava coisas, perguntava o nome dela, dizia que a equipe estava ali para ajudar”, contou.
Coronel Jorge Potratz, médico que cuidou de Clarinha por 24 anos em que ela esteve internada em coma em Vitória, Espírito Santo
Reprodução/TV Gazeta
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“Nunca tive uma resposta. Algumas vezes, eu estava de um lado, chamava ela, ela virava o rosto. Em alguns momentos, ela chegava quase a sentar na cama, fazia movimentos involuntários. Até os pacientes que acompanhavam do lado ficavam assustados, falavam de fantasmas”, lembrou, bem-humorado, o médico.
Para ele, os movimentos eram involuntários, mas nem por isso deixavam de impressionar. “A gente fica tão na dúvida quando isso acontece, porque dá a impressão que a pessoa está fazendo com vontade. Mas se repetia depois, não dava para medir isso. A gente pedia para virar, apertar a mão, e nada acontecia”.
Cuidados, leitura os sinais e questionamentos
Nome da Clarinha no quadro de pacientes da enfermaria do HPM, em Vitória. Ela ficava no apartamento 3, cama 1. Espírito Santo.
Ricardo Medeiros
Clarinha dependia inteiramente da observação da equipe. “Por exemplo, ela menstruava todo mês, tinha cólicas, a barriga ficava distendida, a gente percebia e dava um analgésico”.
Ainda assim, nas duas décadas de internação, era considerada uma paciente saudável.
“Clarinha nunca teve uma ferida – o que seria comum em pacientes nessa situação -, não tomava remédios, era saudável, não teve gripe, covid, nada, tinha carteira de vacinação completa… Era apenas a sequela do trauma. Essa foi a primeira vez que teve intercorrência e necessitou de intervenção médica, e foi quando acabou morrendo”, disse a subtenente Jania Cecília Piva, enfermeira, lamentando a morte recente da paciente que acompanhou por mais de 20 anos.
Profissionais de saúde de hospital cuidando de Clarinha, que ficou por 24 anos internada em coma em Vitória, Espírito Santo
Arquivo/TV Gazeta
Entre idas e vindas, Maria Aparecida da Silva, técnica de enfermagem, acompanhou a situação de Clarinha por oito anos.
“Todas as vezes que eu entrava no quarto, olhava pra ela, conversava e torcia para que alguém aparecesse. Todo mundo cuidada, tinha gente que ia fazer oração, outro que levava as roupas pra lavar em casa”.
Polícia fez simulação de como estaria o rosto de Clarinha
Reprodução/ TV Gazeta
Como foram muitos anos na enfermaria do HPM, em alguns momentos, aconteceram questionamentos de pacientes, acompanhantes e até pessoas do hospital sobre a ocupação do leito com a Clarinha.
“No meio da sensibilidade e da humanidade de alguns, existe a crueldade de outros. Eu sempre perguntava se a pessoa achava justo fazer um questionamento como esse sobre alguém com tamanha fragilidade, dependente de cuidados”, contou Jorge Potratz.
Olhando a situação da paciente que por mais tempo acompanhou no hospital, o coronel é grato para que aprendeu com ela.
“Sem uma palavra, aprendi muito mais com a Clarinha em todos esses anos do que com muita gente. Aprendi sobre tempo, paciência… Se você não tiver aberto, não faz essa leitura. Ela tornou a minha visão mais humanizada, reforçou a importância de se colocar no lugar do outro. Eu sempre acreditei que dando o melhor da gente, já conseguimos grandes diferenças, e eu dei o meu melhor”.
Busca por Clarinha
Clarinha ficou 24 anos em coma e sem identificação num hospital em Vitória, Espírito Santo
Arquivo
De acordo com Jorge Potratz, além das cinco famílias que procuraram a Polícia Civil após a morte de Clarinha, outras três famílias procuram ele diretamente, já houve uma conversa e elas foram orientadas a buscar o Ministério Público para fazer os encaminhamentos. Uma seria do interior de São Paulo, outra de Brasília e uma da Bahia.
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Ao longo dos 24 anos, mais de 100 famílias fizeram contato buscando informações e interessados em testar a compatibilidade com a Clarinha. Algumas delas, reencontraram os parentes que buscavam graças aos exames de DNA que acabaram caindo no Banco Nacional de Perfis Genéticos.
“Casos foram resolvidos, pessoas se encontraram, houve situação de família até no exterior que encontrou parente. É um lado positivo desse processo de busca, para a Clarinha ainda não chegou ao fim, mas para outros deu certo”, ponderou o médico.
Morre Clarinha, paciente que ficou internada em coma por 24 anos em Vitória
Alguns casos chamaram a atenção do coronel pela semelhança física das pessoas que o procuravam. Mas, houve uma vez, em que ele realmente acreditou que a compatibilidade seria apontada pelos testes, que foi o caso da criança desaparecida em Guarapari.
“Eu tinha uma documentação científica, feita por um rapaz da Força Nacional de Segurança, que na época trabalhava em Cariacica [na Grande Vitória]. Ele era papiloscopista e perito da Polícia Civil do estado do Paraná e ficou curioso sobre o caso, pediu para conhecer a Clarinha pessoalmente”.
Esse perito, explicou o coronel, tinha experiência em prosoposcopia, que é a técnica de análise das características faciais de uma pessoas, visando semelhanças e possibilidades de identificação.
“Dos sete pontos que precisava levantar, ele chegou em 5, levando a 80% de possibilidade de compatibilidade. Eu fiquei com muita esperança de ser! […] Mas foi descartado pelo DNA. Até hoje essa família também não encontrou a criança”.
Dever cumprido…
Jorge Potratz tem a corrida de rua como hpbby. Já participou de competições de até 21km.
Arquivo pessoal
Com a aposentadoria do HPM em 2017, as visitas à Clarinha passaram a ser semanais. O ritmo mudou, apesar de o trabalho na prefeitura e o atendimentos a outros pacientes pontuais continuarem. Houve mais tempo para o hobby da corrida de rua – ele participa de competições de até 21km – e para a família.
“Eu sou uma pessoa extremamente organizada, gosto das coisas claras, sem atropelamentos, sem atrasos. Foi assim a minha vida inteira e pude passar isso um pouco para os outros”.
Durante um tempo, Potratz não levou o caso da Clarinha para casa. Quando os filhos entraram na faculdade, levou os dois ao hospital para conhecer a paciente. Só assim descobriram a paciente da qual ele já tratava há anos.
Família do coronel Jorge Luiz Potratz – esposa, filhos noras e netos. Coronel está de verde à esquerda. Espírito Santo.
Arquivos pessoal
“Foi assim que eles souberam, do caso, até de maneira clínica mesmo, porque estavam se formando médicos. Conheceram a Clarinha, ficaram um pouco em choque e, ao mesmo tempo, impressionados”.
Em alguns momentos, o coronel pensa que pode ter sido um pai ausente, devido ao trabalho, mas sempre foi muito participativo nos momentos juntos, levava pra sair, pras vacinas, mas diz sentir paz ao olhar para a família que construiu.
“Eu vejo minha esposa, que é uma companheira de vida. Olho para os meus filhos, os dois médicos, inteligentíssimos, estudiosos, construindo uma vida com as suas mulheres, filhos, e repetindo algumas coisas que eu faço. É muito gratificante, a sensação é de dever cumprido, me dá muita paz”.
…mas falta um abraço!
Coronel Potratz gostaria de encontrar com a família de Clarinha.
Ricardo Medeiros
O coronel não sabe dizer se vai existir uma identificação da Clarinha agora ou no futuro, ou se a família dela vai ou não aparecer. O desejo do médico desde o começo foi esse e não mudou com a morte, mas entende que não está em suas mãos.
“Mesmo se os exames feitos agora derem negativo, continua a esperança, o banco de DNA é aberto. Eu gostaria muito que alguém fosse encontrado. Queria muito poder chegar, dar um abraço e falar: ‘Na sua ausência, ela teve um tratamento digno e humano, tentamos minimizar todo o sofrimento dela”, finalizou.
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