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“Meu filho sofreu uma emboscada!”, afirma mãe de Cacique Merong

A Verdade tem realizado a cobertura da morte do Cacique Merong Kamakã Mongoió, encontrado morto em sua casa, na manhã do último dia 04 de março, no território onde está situada a retomada indígena do povo Mongoió. Pressão e disputa judicial por parte da mineradora Vale S/A, além de muitas lacunas na explicação do caso, marcam a morte do Cacique.

Indira Xavier | Redação


MEMÓRIA – O território, situado no Córrego de Areias, povoado de Casa Branca, Município de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), está retomado desde outubro de 2021. A mineradora reivindica a posse da terra e sua imediata desocupação. Com isso, povos originários de diversas etnias se mantêm na retomada para auxiliar e fortalecer a luta pela permanência do povo Kamakã Mongoió.

As ameaças têm se intensificado como forma de intimidação diante da repercussão do caso e da força que tem tomado o povo Kamakã para defender seu território. No último dia 15 de março, inclusive, durante uma reunião de apoiadores para construir a solidariedade e as lutas na região, pelo menos 12 tiros foram disparados nas proximidades da cachoeira.

Cerimônia de semeadura

No dia 09 de março, ou seja, cinco dias após a morte, é que os parentes indígenas, familiares, amigos e apoiadores puderam finalmente realizar um ato de despedida do Cacique Merong, resgatando sua memória, luta de resistência e ancestralidade. 

Ao final da cerimônia de semeadura, a Cacica Katorã, mãe de Merong, afirmou: “Quero justiça! Justiça! Justiça pelo tombo que deram no meu filho. Ele foi vítima de uma emboscada! Não foi ele que tirou a própria vida! Quero justiça!”.

Falando em nome da Unidade Popular (UP) – partido ao qual Merong era filiado e pelo qual foi candidato à Câmara Municipal de Porto Alegre, no período em que viveu no Rio Grande do Sul e foi uma das lideranças da Ocupação Lanceiros Negros, organizada pelo MLB –, o presidente nacional da UP, Leonardo Péricles, afirmou: “Cacique Merong se aqui estivesse agora, falaria que a luta tem que continuar. E é isso que estamos fazendo aqui”.

Circunstâncias da morte

Conversando com a Cacica Katorã, A Verdade levantou elementos que explicam como se deram os fatos na manhã do dia 05. Por volta das 06h, como de costume, Merong levantou e dirigiu-se à Casa da Fazenda – construção de alvenaria que existe dentro do território, onde está em andamento a implementação de um Museu dos Povos Kamakã Mongoió. Lá fez a barba, tomou café com a família e combinou com o irmão os preparativos para o início da agrofloresta – projeto em desenvolvimento no território e que seria iniciado naquele mesmo dia. 

Por volta das 08h, falou com sua mãe que iria em casa buscar algo e, passados cerca de vinte minutos, ele não voltou. Katorã, então, foi até a residência dele e o encontrou com uma corda no pescoço, supostamente enforcado. No entanto, chamou atenção o fato de que Merong, pesando mais de 90 kg, estivesse em pé, preso por uma fina corda, atada a uma fina ripa de madeira, que não suportaria tal peso. Havia também sangue no chão próximo ao corpo. Um cenário construído para induzir familiares e parentes a pensarem que se tratava de suicídio.

Desconsiderando o fato de que, em territórios indígenas, é competência da Polícia Federal atuar, a Polícia Civil de Minas Gerais recolheu o corpo e começou a trabalhar com a tese de suicídio, mesmo sob contestação de familiares e aliados. O laudo pericial ainda não foi finalizado e a retomada está sendo ameaçada pela mineradora Vale S/A.

Fato é que, mesmo depois de morto, Merong foi intimado por um oficial de justiça, assim como uma criança de nove anos e outros parentes, para depor na audiência de reintegração, que foi marcada para o dia 19 de março, quase três anos depois da retomada.

Resgate da identidade do Povo Kamakã Mongoió

Merong era a sexta geração do povo Kamakã Mongoió. Sendo que quase todo o seu povo, assim como a maioria dos povos originários do Brasil, foi exterminado pelas balas do Império Português, da Ditadura Militar e dos ricos donos de terra.

Ao relatar sua história durante a 7ª Semana de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais, em novembro de 2022, ele afirmou: “A nossa história é marcada por sangue. Nós somos raiz dessa terra, nós não somos invasores nessa terra, nós somos daqui e a nossa luta é pelo direito de existir. As pessoas estudam e trabalham pra ter dinheiro, mas ninguém come papel, nós comemos o que vem da terra”.

Com a retomada, ele podia também dizer: “Nós retomamos um pouco da nossa dignidade porque levantamos todo dia de cabeça erguida, respirando um ar puro e tudo isso lutando muito. E quero falar pra vocês que a luta dos povos indígenas não é só dos povos indígenas, ela é de vocês também”.

O Cacique explicou que a última aldeia do Povo Kamakã existiu até 1932, no território de Catulezinho, em Vitória da Conquista (BA). Foi ali onde sua avó materna nasceu. Com a intensificação da guerra promovida pelos coronéis contra os povos originários, e após terem sido expulsos deste último território remanescente, restou ao povo Mongoió e outros indígenas também expulsos de suas aldeias, a migração forçada para um território destinado pelo Governo Federal, que, supostamente, era protegido.

O local para o qual seus parentes tiveram que migrar era o Posto Indígena Caramuru Paraguaçu. Ali, em pouco mais 54 mil hectares, o povo Mongoió se juntou aos Baenã, Kiriri Sapuyá, Tupinambá, Guerém e Pataxó e a esta junção se dá o nome de Pataxó Hã Hã Hãe.

Marco temporal e a luta contra o agronegócio

Nesta mesma palestra, o Cacique deixa claro que não se pode deixar a mineração e o agronegócio avançar, que estes são os principais inimigos da terra e dos povos.

O marco temporal é uma inversão da História, como se os indígenas tivessem chegado e invadido terras, sendo que os verdadeiros invasores ficaram como donos legítimos desses territórios para fins de exploração. A aprovação desta tese implicaria em um retrocesso que nega a cultura e a ciência produzidas pelos povos originários, além de desconsiderar que são os indígenas que fazem o maior trabalho de conservação dos biomas brasileiros. 

Enquanto milhões de brasileiros passam fome, a bancada ruralista no Congresso Nacional quer acabar com todas as riquezas naturais do país, seja devastando florestas para cultivar soja e criar gado, seja cavando buracos e soterrando pessoas vivas, como ocorreu nos desastres de Brumadinho e Mariana, ambas de responsabilidade da empresa Vale S/A, a mesma que está investindo contra o povo Kamakã Mongoió e os Xucuru Kariri, povo que também tem uma retomada na mesma região.

Matéria publicada na edição nº 288 do Jornal A Verdade.

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