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Advogado descobre autismo durante mestrado e vira ativista por inclusão na educação: ‘sou o exemplo vivo de que funciona’


Guilherme recebeu o diagnóstico aos 37 anos. Hoje realiza eventos pelo Brasil para conscientizar sobre o diagnóstico tardio e a importância do acesso ao ensino. Guilherme de Almeida é advogado e mestre em educação e direitos humanos pela Unicamp
Cibele Barreto/Divulgação
Guilherme de Almeida tinha 37 anos quando ouviu pela primeira vez, durante um evento sobre inclusão, que poderia ser autista. Era aluno de um mestrado em educação e direitos humanos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e tinha uma história marcada por consultas com psicólogos e psiquiatras. “Mudou a direção da minha vida”, afirma.
“Eu sempre fiz acompanhamento, desde a infância, adolescência. Em 2018 ou 2019 eu estava em um evento voltado para a educação especial. Não era a área que eu dominava. Sentei perto de uma professora de educação especial, de forma muito aleatória, e a gente começou a conversar sobre isso”, conta o professor.
“Ela comentou que estava fazendo acompanhamento com psicólogo e perguntou se eu fazia terapia. Contei minha história com a depressão e ela, então, perguntou: você já fez alguma avaliação psicodiagnóstica para autismo? Aquilo me pegou de completa surpresa”.
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A conversa casual virou um divisor de águas que, mais tarde, transformaria Guilherme em um ativista pela inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na educação. No mês em que se celebram os dias da Conscientização sobre o Autismo e da Luta pela Educação Inclusiva, o g1 Campinas conta sua história.
💙 Além de fundar a Associação Nacional para a Inclusão das Pessoas Autistas, aos 42 anos ele também participa de eventos, promove cursos e dá palestras por todo o país. Seu objetivo é conscientizar sobre o diagnóstico tardio, incentivar o acesso ao ensino e a mostrar a importância de observar a condição como natural, que faz parte da diversidade humana.
“Eu tive a oportunidade de viver a inclusão. Eu já cheguei acreditando que era possível. Eu sei que, na prática, ela faz sentido. Então, nessas palestras, nessas falas, eu busco trazer uma sensibilização de que eu sou o exemplo vivo de que a inclusão é possível, de que a inclusão pode acontecer”.
Corrida pelo diagnóstico
Autista, Guilherme atua pela inclusão de pessoas com TEA na educação
Cibele Barreto/Divulgação
Naquele tempo o entendimento sobre autismo era outro. Guilherme lembra que, como muita gente, achava que o TEA se resumia a dois estereótipos clássicos: os dos super gênios e os das pessoas com deficiência intelectual associada, que não falam de forma funcional e dependem de alto suporte no dia a dia.
Com a pulga atrás da orelha, foi buscar ajuda. Encontrou dificuldades. “Era difícil achar quem fizesse avaliação de adultos, principalmente, em um valor que eu pudesse pagar”. Guilherme era bolsista do mestrado e ganhava R$ 1,5 mil. Uma consulta com especialista custava cerca de R$ 800 e ele precisava de cinco ou seis.
Acabou recebendo a indicação de uma psicóloga que o atendeu cobrando valor social, mais em conta, e teve a resposta que buscava. Porém, diz que custou a se convencer. “Eu me senti uma fraude. Como que eu ia no psicólogo, psiquiatra, desde os 9 ou 10 anos, mensalmente, e levou 37 anos para que alguém me diagnosticasse autista?”.
“Eu pensei: ‘passei por tantos profissionais, só essa que acertou?’. Fui buscar outro profissional que tinha outra metodologia de avaliação e também confirmou o diagnóstico. Eu me senti muito mais tranquilo e, aos poucos, veio essa relação a esse resultado, essa questão de pertencimento”.
Ativismo dentro e fora da universidade
Universidade Estadual de Campinas
Antoninho Perri / Unicamp
Oficialmente autista e tendo vivido os desafios que aquele laudo trazia – das limitações à dificuldade de diagnóstico –, viu uma oportunidade. Primeiro, Guilherme criou um coletivo para reunir pessoas com TEA na Unicamp. O grupo hoje passa por reestruturação, mas já contribuiu com o acolhimento e atendimento de, pelo menos, 50 autistas.
Depois, percebeu que precisava ir além do campus. “Eu fui procurar entender o que isso significava na vida de um adulto e o que significava na vida de uma criança. Entendi que 30% a 40% das pessoas autistas não são oralizadas ou têm uma deficiência intelectual associada, mas cerca de 60% se comunicam, trabalham, estudam”.
E foi justamente pensando nos estudos que Guilherme de Almeida, em suas facetas de aluno e professor, se voltou para o ativismo da educação inclusiva para pessoas no espectro. “Quando eu tive o diagnóstico, eu estava terminando o meu mestrado. Eu falei: ‘bom, dentro dos direitos humanos eu consigo ainda afinar essa busca voltada para pessoas com deficiência’. E foi o que eu fiz”.
“Hoje, o que prevalece é o modelo médico de deficiência que diz: ‘ah, ele é autista, tadinho, Deus quis assim’. Não se tem essa compreensão de que faz parte das diferenças que nos fazem humanos. É uma coisa de exclusão. É preciso entender o autismo além do que está nos consultórios”.
“Eu sempre levo essas falas de sensibilização para abrir o coração das pessoas e, muitas vezes, até dar esperança. Porque, quando a família tem o diagnóstico de uma criança, o médico fala que ela nunca vai falar, nunca vai fazer tal coisa, que os pais precisam se preparar. Esse discurso virou um recurso pronto que não reflete todo mundo”.
A inclusão funciona e traz esperança na educação
Especialista no assunto, Guilherme defende que a inclusão funciona e é ainda mais bonita quando sai do papel. Uma ideia que vem das próprias experiências: na infância, teve um melhor amigo surdo e um colega de classe que tinha paralisia cerebral. Todos juntos, na mesma sala de aula. Todos iguais, convivendo plenamente com suas diferenças.
“Os cursos não ensinam como ensinar uma pessoa com uma deficiência intelectual, por exemplo. Isso acaba sendo adversário, porque o professor não tem que ser um especialista no diagnóstico, na condição médica. Ele tem que ser um especialista em ensinagem. Veja a diferença: não é aprendizagem, é ensinar”, reflete.
“Você orientar professores sobre diagnóstico não resolve nada, porque o problema não é o autismo. O problema é a falta de formação. O problema são as classes, as turmas com muitos alunos. O problema é a falta de remuneração adequada do professor. Esses são os problemas que são problemas que refletem na inclusão. A inclusão, bem estruturada, funciona”.
“Entender o autismo é saber que existem aquelas crianças com maior dificuldade, existem crianças geniais, existem crianças que não são oralizadas, existem crianças autistas que vão falar pelos cotovelos. Existem todas as formas de criança. Então, o simples diagnóstico não diz absolutamente nada. Tem que olhar, respeitar e acolher as diferenças”.
O que é o autismo?
Segundo o Manual de Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), o TEA é uma condição atípica do neurodesenvolvimento humano – que surge na formação do cérebro – e é caracterizada, principalmente:
por atraso ou a dificuldade da linguagem (incluindo habilidades de comunicação e socialização);
rigidez cognitiva (o que envolve comportamentos repetitivos ou rígidos);
disfunções no processamento sensorial (como alta ou baixa sensibilidade).
Esses critérios são fundamentais para o diagnóstico, mas podem se manifestar de formas diferentes em cada pessoa. Além disso, o TEA é classificado pelo nível de suporte que o paciente necessita para desenvolver suas tarefas. A escala vai de 1 a 3 (de menor a maior necessidade de auxílio).
Quando o diagnóstico ocorre de forma tardia, as características que não recebem o devido apoio podem se transformar em comorbidades. A depressão, relatada pelo entrevistado, é uma delas (entenda mais detalhes clicando aqui).
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O Brasil não tem, por enquanto, estatísticas próprias sobre o número de cidadãos com autismo no país. Nos Estados Unidos, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) calcula que 1 em cada 36 crianças de 8 anos seja autista. Em 2000, era 1 em 150.
O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é clínico, com base na observação de comportamentos e aplicação de testes neuropsicológicos. Já o laudo, que assegura ao autista os direitos de uma pessoa com deficiência, só pode ser disponibilizado por um médico.
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