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UFSC participa do mais amplo e inédito estudo sobre microplásticos no litoral

Microplásticos são invisíveis a olho nu, mas podem se degradar de plásticos maiores. Foto: Sergei Tokmakov/Pixabay

A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) está participando do maior projeto já realizado no Brasil sobre a poluição por microplásticos nas praias brasileiras. O Laboratório de Biomarcadores de Contaminação Aquática e Imunoquímica (LABCAI), liderado pelo professor Afonso Celso Dias Bainy, é uma das referências no estudo sobre contaminantes no mar e irá analisar amostras coletadas em nove pontos, nas cidades de Florianópolis, Balneário Camboriú, Laguna, Penha, Garopaba e Palhoça. O projeto envolve colaboração com instituições do país e do mundo e tem apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e se alinha ao Programa Ciência no Mar e ao Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar.

Os microplásticos são partículas de tamanho entre 1µm (a milésima parte de um milímetro) e 5 mm e passam facilmente pelos sistemas de filtragem de água porque as estações de tratamento de esgoto não possuem eficiência de remoção total. Por isso, chegam aos rios, lagos e oceanos, representando uma ameaça potencial à vida aquática e afetando também a vida humana.

No projeto MicroMar, coordenado pelo professor Guilherme Malafaia, do Instituto Federal Goiano, mais de 6.700 amostras de areia e água em 750 praias localizadas em 300 municípios do litoral serão analisadas para gerar um diagnóstico atual, abrangente e inédito sobre essa temática no Brasil.

A parceria com a UFSC surgiu, segundo o professor Afonso Bainy, por conta do histórico do trabalho do laboratório em investigar os mecanismos moleculares e bioquímicos da interação entre contaminantes emergentes e as respostas dos organismos aquáticos. Um dos estudos que deu início a essa parceria foi desenvolvido a partir de uma tese com moluscos bivalves, mais precisamente das ostras, organismos filtradores que, acabam capturando esses contaminantes com mais facilidade.

O pesquisador Miguel Angel Saldaña Serrano estudou, nessa tese, a ocorrência de contaminantes emergentes em áreas de cultivo de ostras em Florianópolis e identificou, entre esses novos contaminantes, os microplásticos. Ele explica que existem duas classes investigadas: os primários, derivados da produção de plásticos fabricados em microescala e usados em produtos de limpeza facial, esfoliantes corporais e cosméticos; e os secundários, que são aqueles que se fragmentam a partir de itens maiores degradados, principalmente, pela radiação solar.

Estudo anterior identificou microplásticos em ostras da região

Essas micro e, por vezes, nanopartículas podem chegar a diferentes ambientes aquáticos, como rios, lagoas e mar. A falta de saneamento básico adequado seria uma das principais causas. “O saneamento básico, em várias cidades do litoral, no mundo todo, é um problema. Por isso, quando temos, por exemplo, uma área de produção de ostra próxima à saída de esgoto clandestino, não é só microplástico que terá ali, é todo tipo de contaminante”, explica o professor Bainy.

O estudo de Miguel teve como foco as ostras da espécie Crassostrea gigas cultivadas na área metropolitana de Florianópolis, em seis locais diferentes. A concentração dos microplásticos nos moluscos foi considerada baixa, com as regiões de Serraria e Imaruim sendo as mais contaminadas por esgoto sanitário. Apesar disso, havia microplástico em todas as amostras coletadas.

Um dos indicativos foi a presença das chamadas microfibras têxteis dentre elas a “fibra azul”, que são microplásticos característicos, por exemplo, de peças do vestuário que são lavadas e cujos resíduos chegam aos mares. “Ainda há, na ciência, diferentes ideias sobre o impacto dessas microfibras na saúde humana. Mas a gente sabe que, por exemplo, para as ostras que a gente trabalha aqui, gera algum impacto porque elas agem como se fosse um alimento, uma microalga. Só que não é um alimento, então elas diminuem seu crescimento, não conseguem ganhar peso, o que para um produtor é muito importante”, explica Miguel.

Por conta desses resultados, a pesquisa sugere que os sistemas de tratamentos de esgoto nas estações devem ser melhorados, com sistemas de depuração implementados para diminuir a carga destes contaminantes nas ostras de cultivo.

Análises indicarão mapa de distribuição dos resíduos

Plástico e lixo misturados à areia em praia analisada pelo projeto – Foto: Projeto MICROMar (cedidas pelo pesquisador Guilherme Malafaia ao Jornal USP)

O estudo desenvolvido por Miguel sobre os microplásticos nas ostras foi uma das portas de entrada do LABCAI na pesquisa nacional que já coletou, até o momento, mais de 6.700 amostras de areia e água em 750 praias. Mais de 5,5 mil quilômetros de orla foram percorridos entre julho de 2023 e fevereiro de 2024. De acordo com o coordenador do projeto, a previsão é que a coleta em todos os estados brasileiros litorâneos termine neste mês de abril, abrangendo uma área que vai da praia de Goiabal (localizada no município de Calçoene no Amapá) até a Barra do Chuí, no extremo sul do Brasil.

No caso da UFSC, as amostras serão analisadas em laboratório, para quantificar e tipificar os microplásticos, com variáveis como o estabelecimento de valores de background, construção e disponibilização de mapas de distribuição da poluição por microplásticos e também a determinação de índices de risco de polímero e de carga poluidora. O projeto MicroMar prevê, ainda, a realização de uma análise sobre a correlações entre os níveis de poluição por microplásticos nas praias com variáveis oceanográficas, condições ambientais e com aspectos gerais do litoral brasileiro.

O pesquisador Diego José Nogueira também faz parte da equipe da UFSC. Um dos estudos multigeracionais, desenvolvidos por ele com nanoplásticos abaixo de 100 nm (igual a um bilionésimo de metro), uma categoria ainda menor de plástico, se concentrou na análise de diferentes gerações de Daphnia magna, um pequeno crustáceo planctônico que está na base da cadeia alimentar. Quando expostos ao consumo desse material, eles tinham capacidade reprodutividade alterada – o que pode acarretar prejuízo populacional e na cadeia alimentar, de um modo geral. “Eu vi que a reprodução pode ser alterada só de a mãe ser exposta ao nanoplástico, em laboratório. Por ser tão pequeno, o nanoplástico é passado para próxima geração “, comenta.

Indicador perfeito

Miguel Angel Saldaña Serrano é u dos cientistas da equipe pela UFSC. Foto: Amanda Miranda/Agecom/UFSC

Com o tamanho e a complexidade dos oceanos, o professor Afonso explica porque o laboratório escolheu os moluscos bivalves, especificamente as ostras, como foco das suas análises. Além da questão econômica local, já que Florianópolis é cercada de áreas de cultivo do animal para comercialização, tem um fator analítico importante: o fato desse ser um animal séssil – fixar-se na pedra e ali permanecer. “Então ela é um indicador perfeito daquele local”, explica.

Além disso, são animais filtradores, em permanente contato com contaminantes. Por isso, por mais contaminado que esteja um ambiente, os bivalves ainda conseguem se adaptar e sobreviver. “Os mecanismos de adaptação deles se tornam interessantes”, comenta o professor. “Tem a importância do cultivo e também a importância ambiental, porque justamente eles podem ser encontrados em lugares com maior contaminação, como em alguns estuários e manguezais”.

No caso dos microplásticos, não existem estudos assertivos sobre o impacto que o consumo de animais contaminados pode gerar à saúde humana, mas outros a serem analisados – por exemplo, a possibilidade de absorverem contaminantes e, esses sim, terem um impacto maior e mais direto.

“Por conta disso, a gente tem o interesse de fazer um trabalho com experimentos com outros contaminantes, para ver se isso influencia na bioacumulação e também no seu efeito tóxico, se o animal consegue filtrar”, antecipa Afonso. Uma outra linha de pesquisa do laboratório é sobre a interação das concentrações dos microplásticos com outros parâmetros ambientais, como temperatura, salinidade, pH. Esses estudos podem indicar, por exemplo, variações decorrentes do aquecimento global.

Equipe reúne pesquisadores de todo o país

A equipe executora do projeto MicroMar engloba, além de pesquisadores da UFSC, aqueles vinculados ao Instituto Federal Goiano, Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal do Maranhão, Universidade do Estado do Amapá, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal do Rio Grande, Universidade Federal do Espírito Santo e Universidade de São Paulo.

Além disso, o projeto conta com a colaboração de pesquisadores do Catalan Institute for Water Research e University of Girona (Espanha), Universidade de Aveiro (Portugal), Jahangirnagar University (Bangladesh), Assiut University (Egito), Universidad Nacional del Sur (Argentina), Begum Rokeya University (Bangladesh), Universiti Teknologi Brunei (Brunei), Periyar University (Índia), University of Virginia (EUA) e Leibniz-Institut für Ostseeforschung Warnemünde (Alemanha).

Assista ao documentário do projeto MicroMar.

Amanda Miranda | [email protected]
Jornalista da Agecom| UFSC

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