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Maternidade atípica: conheça a jornada de aceitação, dores, luta e coragem de ‘Mães Especiais’


A maternidade é uma jornada repleta de desafios, e para mães de crianças no espectro autista e TDAH, a caminhada é ainda mais complexa. Luciana Dias com o filho Salomão (à esq.) e Kamila Rocha com o filho Benício Micael (à dir.)
Arquivo pessoal
A maternidade é uma experiência repleta de desafios e emoções, mas para as mães atípicas, esses desafios assumem uma dimensão ainda mais complexa. Cuidar e criar um filho com necessidades especiais demanda coragem, resiliência e amor incondicional. Na segunda reportagem do especial Dia das Mães, o g1 conta sobre os desafios únicos enfrentados por duas mães atípicas: Luciana Dias e Kamila Rocha. Elas falam sobre duas dores, com uma visão profunda e empática dessa jornada que exige acima de tudo: aceitação e força.
Luciana Dias, empreendedora, 40 anos, é mãe do Salomão Yuta, de 6 anos, e Kamila Rocha, dona de casa, 26 anos, é mãe do Benício Micael, também de 6 anos. Além da idade, os meninos têm em comum os diagnósticos de TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade).
O TEA é uma condição que impacta a comunicação, interação social e comportamentos desde a infância. Enquanto o TDAH é um transtorno neurobiológico caracterizado por sintomas como falta de atenção, inquietação e impulsividade. Aparece na infância e pode acompanhar a pessoa por toda a vida. Na jornada da Luciana e da Kamila, o TEA e o TDAH são componentes integrais da experiência de maternidade atípica, às vezes difícil de compreender e aceitar.
Em seus trajetos individuais, Luciana, Kamila e milhares de outras mães atípicas enfrentam batalhas diárias marcadas por um amor incondicional e desafios únicos, desde a busca por compreender as necessidades específicas de seus filhos até a luta incansável para garantir que os direitos fundamentais, assegurados por lei, sejam respeitados.
Observando sinais
A jornada da Luciana Dias para entender o que acontecia com o filho Salomão Yuta, começou por volta dos seis meses de vida da criança. Ela observava que ele era muito inquieto, mexia os pés excessivamente, não gostava que tocassem na cabeça dele e chorava muito. Luciana então buscou a ajuda profissional de uma pediatra.
Nas duas primeiras fotos, Luciana Dias com o filho, Salomão Yuta; na terceira foto, Luciana, Salomão e o marido, Elton Rodrigues
Arquivo pessoal
“Há seis anos pouco se falava sobre TEA, TDAH, sobre mãe atípica. E ali eu ouvi uma palavra até então desconhecida por mim: hiperatividade. A pediatra disse: ‘vamos investigar se o seu filho é hiperativo’. O tempo foi passando e eu percebia que ele não melhorava, e depois de um ano de idade, veio uma outra palavra pra nossa vida: seletividade alimentar. Ele parou de comer determinados alimentos, e a minha que ficava com ele, porque eu saia pra trabalhar, relatava essa seletividade e também a irritação dele com barulho”, relatou Luciana.
A mãe novamente procurou uma pediatra, que encaminhou o pequeno Salomão para terapia ocupacional, por perceber que ele era uma criança hiperativa. Após seis meses de terapia, o menino foi diagnosticado com TDAH. Mas foi por volta dos 5 anos de idade, após ser acompanhado por um neuro e uma psicóloga, que vieram os diagnósticos de TEA e TOD (Transtorno Opositor Desafiador).
Segundo Luciana, no princípio, os especialistas não conseguiram perceber o TEA, porque as características do TDAH eram mais fortes. Ele andou com 10 meses, com um ano já falava papai, mamãe, lua, água. Foi tudo muito rápido. Salomão era muito acelerado.
“De 15 testes que ele fez, 9 indicaram para o autismo, entre eles, a seletividade alimentar, a estereotipia dos pés que é muito presente, o incômodo com barulho. Naquele momento, quando veio o diagnóstico eu aceitei de boa, porque eu achava que era uma coisa passageira, apesar do médico ter dito que não tinha cura. Mas com o passar do tempo, que o comportamento foi piorando, começamos a ter problemas na escola e nos ambientes públicos, e o principal, no ambiente familiar, eu passei a não aceitar”, contou Luciana.
Salomão Yuta, 6 anos, em momentos de estudo e também de entretenimento
Arquivo pessoal
Por causa do preconceito, Luciana começou a evitar até as festinhas familiares dos dois aos 6 anos do Salomão. A agitação do menino chama atenção, ele não consegue parar quieto, corre, pula, empurra. Pra evitar pré-julgamentos e até hostilidade para o filho, Luciana procura sempre lugares com pouco movimento e barulho.
“Este ano é que eu comecei a levá-lo ao shopping. Mas quando chega lá ele só quer saber dos brinquedos. E também o que ele vê, ele quer. Mas já estou trabalhando isso com ele. Na orla a gente não vai, porque tem muitos estímulos que não fazem bem a ele. Eu só não sou chamada regularmente na escola, porque eu sou aquela mãe que conversa com a professora, que vai na escola e busca saber como ele está, o que eu posso fazer pra ajudar, porque eu entendo que nós mães também temos que fazer a nossa parte, não é só jogar para a escola”, disse.
Para evitar problemas em locais públicos, Luciana sempre sinaliza o filho quando precisa sair com ele. Atualmente ele usa o cordão de girassol, que identifica pessoas com deficiências ocultas. Mas agora, com o diagnóstico do TEA, ele passará a usar o cordão do autismo, junto com a carteirinha de identificação da pessoa com TEA.
“É importante a gente sinalizar. Quando eu não sinalizo, é diferente o olhar. Eu já fui chamada de mãe que não dá limite pro filho. Já disseram que meu filho parece menino de rua, sem educação. Nossa, já doeu demais, eu tive que mudar esse cenário. E aí a gente tem que buscar conhecimento, conversar com outras pessoas, e não deixar que nos maltratem, porque a gente trata as nossas crianças, mas nós não somos tratadas. E a gente recebe essa carga muito pesada do que as pessoas falam e imaginam, porque ainda existe muito preconceito. O meu filho sofre bullying e ele sabe o que é”, enfatizou.
Salomão Yuta costuma usar o cordão de girassol quando sai com a mãe
Arquivo pessoal
Na maternidade atípica, cuidar da saúde mental é tão importante quanto administrar as situações do dia dia. Mães atípicas precisam de uma rede de apoio abrangente, que englobe o aspecto psicológico, afetivo e até financeiro. É a partir do compartilhamento de experiências, da busca de ajuda profissional e do acolhimento familiar, que essas mães se fortalecem para seguir em frente. A Luciana conta com o apoio incondicional da mãe (75 anos), do filho mais velho (22 anos) e do marido.
Empatia
Com o diagnóstico do Salomão, nasceu uma nova Luciana, mais empática e atenta aos problemas á sua volta. Ela que não tinha medo de nada, passou a ter medo de morrer, porque sabe a responsabilidade que é ser mãe atípica em um mundo tão preconceituoso e cheio de ódio.
“Depois que ele nasceu e que eu vi como ele era, hoje, por causa dele, eu tenho muito de morrer. Quando eu tenho uma gripe eu digo: Deus eu não posso morrer, porque não tem quem cuide desse menino. Outra coisa, eu saí do meu trabalho e deixei de fazer muitas coisas por ele. Mas eu tenho uma rede de apoio, e fico pensando, e quem não tem rede de apoio?”, questionou.
Luciana Dias se prepara pra voltar ao mercado de trabalho após pausa para dedicação exclusiva ao filho Salomão
Sílvia Vieira / g1
Luciana considera que mudou pra melhor como ser humano com a chegada de Salomão e todos os desafios que o diagnóstico impõe.
“Ele me mudou, ele me transformou em uma outra pessoa, porque antes do Salomão, eu não olhava se tinha uma rompa pra uma pessoa cega, se tinha aquela vaga para o deficiente, eu não me importava. Mas com a chegada do Salomão, eu já ando olhando se tem uma vaga para o próximo, se tem uma rampa pro cedo, a gente passa a ver o mundo de forma diferente. Eu entrei para o mundo da pedagogia, fui estudar, pra ajudar o meu filho. A neurociência da pedagogia está me ensinando muito”, revelou.
Luciana Dias fala sobre empatia
Uma situação que ainda impacta muito a Luciana e toda mãe atípica, é ouvir de gente sem informação, que autismo virou moda. Autismo não é moda, é um transtorno real que pode afetar significativamente a vida das pessoas e sua qualidade de vida.
“Algumas pessoas falam que autismo tá na moda, não sabem que elas machucam verdadeiramente uma mãe, um pai ou uma pessoa que tem esse transtorno. Eu convivo com meu filho, eu sei que ele é TEA, eu sei que é TDAH, que aquilo não é moda, não invenção. Ninguém vai inventar uma doença pra aparecer. Eu não queria que meu filho tivesse nascido com esses transtornos. Será que a pessoa pensa que é assim: Ah, eu acordei com TDAH. Ah, eu acordei com TEA. Lá atrás as pessoas tinham os transtornos, mas não tinham diagnóstico. Que bom que hoje tem diagnóstico. Mas para as famílias família dói muito ouvir alguém dizer que é modinha”, declarou.
Agitação incomum
Para Kamila Rocha, 26 anos, a agitação do filho Benício Micael era coisa de criança levada, com muita energia pra gastar. Mas para quem estava a sua volta, algo estava fora do normal e chamava atenção.
“Ele foi a primeira criança que eu tive mais contato, então pra mim não tinha nada de diferente. Os outros é que começaram a perguntar por ele ser muito agitado. Eu estudava no IFPA e levava ele pra aula, e a assistente social de lá conseguiu uma consulta e uma avaliação psicológica pra ele, particular, porém, pra mim não teve custos, e veio o diagnóstico de autismo e TDAH”, contou Kamila.
Kamila Rocha com o filho Benício Micael
Arquivo pessoal
Embora não seja fácil aceitar e acreditar que Benício é autista e tem TDAH, Kamila tem consciência do diagnóstico, e ela tem buscado conhecimento para acolher o filho como ele precisa.
“Acho que eu nunca vou conseguir acreditar que meu filho seja autista, mesmo eu olhando pra trás e vendo as características, pra mim ele só foi criado de maneira diferente. Desde o diagnóstico ele faz terapias e eu sempre agi com ele da forma que percebo que ele atende melhor. Estudando mais sobre o autismo eu também consegui entender algumas coisas que ele faz e isso foi importante pra eu acolhe-lo nos momentos difíceis”, relatou.
Preconceito escancarado
De tanto ver o olhar de discriminação e ouvir falas preconceituosas, Kamila Rocha evitar sair de casa com o filho para locais públicos. É uma forma de proteger o filho e a ela também.
Benício Micael em momento de diversão ao ar livre (à esq.); degustando bolo de chocolate (à dir.)
Arquivo pessoal
“Evito ao máximo sair de casa. Sempre as mães pegam seus filhos pra não brincarem com o meu, as pessoas olham julgando e se sabem do diagnóstico olham com pena. Eu não identifico ele, quem precisa de identificação são as pessoas capacitistas, preconceituosas e ignorantes que não entendem que a mente humana é diversa e nem os neurotípicos são iguais”, enfatizou.
Até nas escolas e em eventos sociais, Kamila diz que há segregação do filho atípico, e por ela já conhecer de perto essa realidade, embora se indigne, já não estranha mais.
“A maioria se faz de compreensivo, mas depois chama o meu filho de atentado, doido, dizendo que eu não dou limites. Tratar um neuroatípico como típico é tortura, e eu não estou disposta a fazer isso pra agradar terceiros. O bem-estar do meu filho sempre será o mais importante”, desabafou.
Kamila tem recorrido a todas as terapias necessárias para o desenvolvimento de seu filho Benício, e a tarefa não é fácil, uma vez que poucos serviços estão disponíveis no serviço de saúde pública em Santarém. E ela tem esperança de em um futuro não muito distante, essas terapias deem resultado.
Benício Micael segurando a faixa da caminhada do autismo, acompanhado de perto pela mãe Kamila Rocha
Arquivo pessoal
“É tanto esforço, porque é uma humilhação depender do poder público, eles não assistem a gente. Estou fazendo o que posso particular e em casa também, pra meu filho ser funcional e uma pessoa inclusiva, como até agora não estão sendo com ele. Crio ele para o mundo, quero ver no futuro meu passarinho voar”, afirmou.
A exemplo de milhares de mães atípicas, a Kamila Rocha não trabalha, todo o tempo dela é dedicado aos cuidados com o filho Benício. O maior problema que ela enfrenta atualmente, é em relação a falta de mediador para o filho na Umei onde ele está matriculado. No último dia 6, ele aproveitou a presença de outras mães e pais na escola, para fazer um desabafo em relação ao problema. O vídeo com o desabafo de Kamila viralizou nas redes sociais. (veja o vídeo)
Kamila Rocha faz desabafo em escola sobre negligência com o filho Micael
Nota de esclarecimento
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