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Estresse e temperatura do porão de avião podem ter causado a morte do cão Joca

João Fantazzini e o cão Joca, que morreu após viagem em avião da Gol – Reprodução/ _gfanta no instagram

Especialistas afirmam que o ideal seria que os animais viajassem na cabine e que as companhias tivessem veterinários
A morte do cão Joca, de 4 anos, durante um voo da Gol, deixou tutores de todo o país com o coração apertado. O caso está sendo investigado pela Delegacia do Meio Ambiente de Guarulhos, na Grande São Paulo, e expõe fragilidades do modelo de transporte aéreo de animais em porões ou aviões de carga adotado no Brasil.
Especialistas em saúde e em direito animal ouvidos pela Folha afirmam que os riscos para pets nessas situações envolvem ferimentos causados por estresse do confinamento, como animais que se debatem na caixa de transporte ou mordem as patas, ingestão de substâncias tóxicas ou perigosas transportadas no local, falta de circulação de ar, desidratação ou hipotermia pela temperatura não controlada, desordem comportamental de separação, problemas de circulação sanguínea gerado pela baixa movimentação, extravio, perda e morte.
No caso do golden retriever que pesava 47 kg, considerado um animal de grande porte, a companhia o embarcou na segunda-feira (22) no porão, em um voo diferente do da família e, em vez de enviá-lo para seu destino em Sinop (MT), a Gol despachou Joca para Fortaleza (CE), ocasionando uma viagem quatro vezes mais longa do que a prevista originalmente.
O tutor do cão, João Fantazzini, não se conforma com a perda e, nas redes sociais, responsabiliza a Gol pela morte de Joca. O custo da viagem do pet para a família foi R$ 2,4 mil. O transporte deveria durar 2h30, mas chegou a 8h, período em que o cão foi exposto a altas temperaturas dentro da caixa de transporte.
Adroaldo José Zanella, professor na área de bem-estar animal da FMVZ-USP (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo) destaca que o estresse do bicho nesses casos costuma ser desencadeado pelo ambiente desconhecido, barulhos, mudança de temperatura e de pressão e até pelo escuro. “Pode gerar uma situação de estresse excessivo e de comprometimentos metabólicos no animal. Dependendo da condição do indivíduo, se tem uma predisposição ou é idoso, pode vir óbito”, afirma.
Além de embarcar o pet em uma caixa adequada, o tutor deve treiná-lo antes para esse tipo de experiência. “O animal não tem condições de entender que é uma situação transitória e que em poucas horas vai estar de volta com seu tutor. É de fundamental importância que se transforme essa experiência de potência muito negativa em algo positivo”, diz o professor.
Zanella ressalta que o monitoramento da altitude e da temperatura junto com um plano de contingência e a presença de um veterinário para situações como a de Joca podem fazer toda diferença. “Espero que isso motive o poder público e a sociedade civil para que se organizem, e para que a gente tenha verdadeiramente formas de proteger o bem-estar dos animais durante o transporte”, pontua o especialista.
A médica veterinária Michelle Cristina Durci diz que animais precisam fazer exames prévios antes de embarcar, mas que as companhias também precisam estar preparadas para lidar com eles de modo adequado. “O ideal seria que estes animais viajassem com os tutores na cabine, em assentos com espaço para as caixas de transporte, e houvesse uma equipe médica veterinária em todos os aeroportos para monitoramento”, afirma Durci.
Carla Maion, veterinária especialista em nutrição animal, indica que, antes da viagem, os tutores devem tomar precauções, como escolher uma empresa que preste suporte ao animal, incluindo inspeção periódica do estado de saúde do pet e espaços confortáveis no trajeto. Também devem marcar sempre voos diretos, nunca como carga viva, para reduzir o tempo de trânsito.
Já as companhias aéreas, segundo Maion, precisam ter equipamentos adequados, como áreas de conforto pet (antes e pós voo) e de carga viva pressurizadas e climatizadas. “Animal não é como uma mala. [É preciso] seguir medidas de segurança específicas e isso inclui treinamento para a equipe que manuseia, procedimentos claros para garantir que os animais sejam tratados com cuidado e protocolos para lidar com emergências, como a falta de oxigênio ou problemas de saúde durante o voo”, reforça a veterinária.
A Gol emitiu uma nota lamentando o ocorrido e admitindo o erro operacional que levou à morte de Joca, tendo paralisado no final da tarde de terça (23) a venda do serviço de transporte de cães e gatos pela Gollog Animais e pelo produto Dog&Cat + Espaço para o porão, até o fim das investigações internas. Quem contratou o serviço para este período pode solicitar o dinheiro de volta ou adiar até o fim do ano.
A norma 12.307 de 2023 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que regulamenta o transporte aéreo de bichos, prevê a liberação de pets em cabine apenas para animais guia, deixando as demais regras de embarque por conta de cada empresa.
A advogada animalista Giovana Poker, mestra em direito com foco em dignidade animal e membro consultivo da Comissão de Defesa e Proteção Animal da OAB Niterói, diz que tratar os bichos como bagagem é problemático, sobretudo porque o porão não tem pressurização, temperatura ou acompanhamento profissional dos seres vivos ali colocados.
“Para que esse transporte ocorresse de forma mais segura seria imprescindível, primeiramente, o acompanhamento por um veterinário durante todo o trajeto para aferir ali a situação do animal, mas a estrutura do porão não é adequada”, diz a advogada. Poker diz que se houvesse de fato um controle correto, os tutores de animais com situações mais delicadas poderiam, por exemplo, viajar ao lado deles nesses espaços.
“Era só colocar os assentos ali. Se é seguro para o animal, seria para o tutor, mas não é algo que vemos acontecer e, por isso, somente animais e objetos viajam no porão, aquele compartimento que não tem a segurança necessária”, avalia.
Vice-presidente da Associação Nacional de Advogados Animalistas (ANAA), a advogada lembra que, mesmo em desacordo com as regras das companhias aéreas, a Justiça já começa a ter um entendimento de que é errado e arriscado o modelo vigente.
“Muitas famílias multiespécies estão se recusando a permitir que o transporte dos seus animais aconteça no porão ou ainda como carga viva em aeronaves separadas. Estão buscando a via judicial para obter autorização de levar os seus animais na cabine de passageiros. E a gente observa que já tem uma jurisprudência bastante consolidada nesse sentido”, diz a advogada.
Casos de pets de apoio emocional, sensíveis (a exemplo de coelhos, hamsters e calopsitas) e com doenças graves (como câncer e cardiopatias) são alguns dos que têm tido posicionamento favorável de tribunais para viajar junto com seus humanos.
“Se o tutor está inseguro, pode acionar a via judicial, buscando primeiro uma assessoria especializada para verificar se seria o caso de ter uma boa chance de êxito na demanda”, afirma Poker.
Segundo a especialista, as companhias estão cada vez mais restritivas em relação às espécies, ao peso e ao tamanho dos animais admitidos para transporte dentro da cabine de passageiros. “Então a maioria dos animais acaba sendo transportada ou no porão das aeronaves ou ainda em aeronaves específicas de carga, acarretando bastante prejuízo”, diz a advogada.
Para a advogada, o transporte deveria ser feito sempre com os donos, dentro da cabine de passageiros, e a liberação poderia ser feita mediante a apresentação de atestado de comportamento de adestramento e documentos sanitários, que já são exigidos de qualquer forma.
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