O cirurgião dentista Giovane de Carli, 34 anos, é um dos sobreviventes da enchente em Eldorado do Sul. Ele morava no bairro Itaí e ficou seis dias no local até a chegada do resgate. Confira abaixo trechos da entrevista na Rádio.
O momento em que a água invadiu a residência:
Ele relatou que a água passou a entrar na casa por volta das 4h de sexta-feira (3).
“A água subindo e tu não consegue reagir, entender o que está acontecendo. ‘Como assim, isso aqui é um sonho, é um pesadelo, não é contigo que está acontecendo’. E a água começou a subir muito rápido, a tomada de decisão… o que colocar numa mochila, numa sacola, bolsa? Comida. Não, mas espera aí… é vela, porque já tinha faltado luz… não, mas é roupa… Roupa não, a minha gatinha. Poxa, e comida? É uma mistura de sentimento de desespero e, ao mesmo tempo, de sobrevivência.”
Como se manteve:
Giovane contou que foi para a casa do vizinho, onde ficaram no segundo piso, cozinharam ovos e armazenaram em uma salmoura. Também cozinharam aipim e fizeram polenta.
“A estratégia sempre foi manter o máximo de comida pra durar e água. Como choveu, banheiros… ‘vamos usar a água da chuva’. A gente armazenou com os baldes a água de chuva”.
Sobre a sensação de perigo:
“Tudo começou a ficar mais perigoso e não pelo fato apenas, é claro, da água, da probabilidade de chuva, mas em termos de criminalidade, infelizmente. (…) De madrugada, essa rua é sem saída, tem uma mata (…). E nós víamos muita lanterna de madrugada, era em torno de 1h, 2h, (…) e latidos de cachorro que estavam em cima do valo (…). O latido de cachorro, para quem sempre se criou com cachorro, como eu, praticamente uns 20 anos, a gente sabe quando tem gente estranha. E um deles parou de latir por causa de um tiro. Não tem resgate 2h no meio da mata, com tudo escuro, numa região em que não tem mais habitantes.”
O pedido de resgate:
“Peguei tudo que era borracha, plástico, pedaço de chinelo, tampa de pote e comecei a fazer fogo dentro da panela, para sair aquela fumaça preta (…) Era literalmente aquele desespero: ‘Meu deus, eles têm que ver no meio de uma enchente, fumaça não é normal, tem que chamar a atenção”.
O que espera ver quando retornar:
“Pelo que já vi da minha casa: sem muro, sem porta, sem portão, um cenário de guerra. Infelizmente, pelo que eu vi e a gente pôde presenciar um pouco, esses números que a gente vê de mortos vão aumentar. É pedir a Deus o consolo para cada família, cada familiar, que perdeu os seus pertences, sua casa, seus familiares, seus animais.”
Sobre o sentimento hoje:
“Agora eu diria que é uma mistura de sentimentos de frustação, impotência total diante de toda essa situação que a gente tem passado, ao mesmo tempo daquela superação de tipo ‘gente, eu tô vivo’ e outras pessoas não conseguiram sobreviver, infelizmente.”