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‘Queria saber por que tanto ódio’: mãe pede prisão de motorista que atropelou, causou a morte e debochou de agonia de rapaz em SP

O ambulante Matheus Campos da Silva, de 21 anos, ao lado da mãe Gina Campos: rapaz morreu após ser atropelado

O ambulante Matheus Campos da Silva, de 21 anos, ao lado da mãe Gina Campos: rapaz morreu após ser atropelado Álbum de família

“Eu não aguento mais, está doendo muito. Se esse homem cruel, monstruoso, tem mãe, ela também deve estar sentindo uma dor enorme”. O desabafo é da coletora de lixo aposentada Gina Campos, de 45 anos, que vê na morte do filho Matheus Campos Silva, de 21 anos, a maior dor que já sentiu em toda uma vida difícil de trabalho, encerrada no ano passado, devido a uma doença renal crônica e à diabetes que já lhe tiraram um dos rins e quase completamente a visão. O rapaz foi atropelado no dia 25 de abril no Viaduto Júlio de Mesquita Filho, em São Paulo. O motorista de aplicativo Christopher Rodrigues, de 27 anos, gravou um vídeo do acidente enquanto a vítima, a quem acusou de ter furtado um celular, agonizava sob o carro e pedia socorro. “Só vai sair daí com a polícia”, disse ele, emendando “faz o L”, em referência aos eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Gina viu tudo, sem saber que se tratava do filho, pela televisão. “O repórter no helicóptero disse que estava acontecendo alguma coisa na estrada e falou que depois voltava para ver o que era. Já era meu filho debaixo do carro”. Desde que assistiu de longe à cena, que depois soube se tratar de Matheus, é difícil para a mãe completar uma frase inteira sobre o filho, que vendia balas e capas de celular em sinais. Sempre fala entre um choro convulso:

‘Mamãe, eu te amo’

 

— Por que ele não prendeu o meu filho? Eu ia agradecer. Ele viu ele roubar? Chamasse a polícia, por que não fez isso? Porque tanta brutalidade? Eu queria ficar frente a frente com ele e fazer essas perguntas. Eu queria que ele me respondesse por que tanto ódio. Será que ele tem mãe? — pergunta Gina, que não se conforma com o fim trágico do “seu menino”, o único filho homem, que descreve como carinhoso. — Ele era um molecão, me pegava no colo e dizia: ‘mamãe, eu te amo’. E agora o que vai ser de mim? Já perdi a visão do olho esquerdo graças à diabetes, mal enxergo do olho direito, ando com dificuldade, e faço hemodiálise para sobreviver. Meus filhos são tudo para mim. Criei com muita dificuldade, eduquei para serem pessoas decentes, com todo amor do mundo. Se ele fazia alguma coisa errada, eu nunca soube. Perto de mim não fazia, nem nunca desconfiei de nada.

Christopher Rodrigues, de 27 anos, disse que atropelamento foi 'sem querer', mas chegou a comemorar morte de jovem — Foto: Reprodução

Christopher Rodrigues, de 27 anos, disse que atropelamento foi ‘sem querer’, mas chegou a comemorar morte de jovem — Foto: Reprodução

Segundo a mãe, Matheus começou a trabalhar como ambulante aos 16 anos em sinais, em estações de trem e de metrô. Às vezes, caminhava para longe de casa em busca de vendas que lhe rendesse algum dinheiro para ajudar a família de origem humilde, de Capão Redondo. Com o agravamento da saúde de Gina, as dificuldades aumentaram bastante. Ela teve que se afastar do trabalho de coletora da comunidade que exerceu durante nove anos — “eu ia aonde o gari não chega e recolhia o lixo até a caçamba” — porque não tinha mais forças. A aposentadoria se tornou inadiável em agosto do ano passado quando foi internada, perdeu um dos rins e passou um período na UTI. Sem fonte de renda, o dinheiro de Matheus, lembra ela, ajudava. “Era 20, 30 reais, que ele trazia. Era pouco, mas ajudava até nos gastos com Uber que eu preciso usar para fazer as sessões de hemodiálise”.

‘Nunca quis tênis de marca ou celular caro’

 

O rapaz, conta Gina, foi um adolescente comunicativo, um “molecão” e nunca reclamou das dificuldades da vida. “Sempre demos muito duro, mas nunca faltou comida”, reforça. Gina conta que, diferentemente de outros jovens da sua idade, Matheus não pedia “tênis de marca” ou tinha desejos de consumo como um “celular caro”. O filho, garante, se contentava em usar roupas usadas que ela comprava para ele em brechó — “era gordinho, as calças viviam rasgando no meio das pernas” — ou recolhia no lixo, e depois levava bem e colocava em uso.

— O meu menino não ligava para nada disso. Para você ter uma ideia, nas poucas vezes em que conseguíamos fazer um churrasquinho em casa para reunir a família, nem cerveja ele bebia. Sabe aquele tipo de pessoa que tudo está bom para ela? Ele era assim. Por isso que eu não me conformo. Eu fico louca de não saber o que aconteceu, eu estou enlouquecendo. Minha vida acabou — diz, aos prantos. — Sabe o que eu penso? Se ele estava fazendo alguma coisa errada, o que eu não sei, mas não posso dizer que não porque poderia estar mentindo, por que não segurou o meu filho? Eu ia até agradecer. A mãe, às vezes, não conhece o filho da porta para fora. O que eu sei é que ele vivia de vender as coisinhas dele, bala no farol, água, capinha de celular. Na última hemodiálise, ele me acompanhou e vendeu duas capinhas para uma senhora que estava lá (para neste momento da conversa e chora). É só isso que eu sei.

Vídeo mostra que homem atropelado em SP ainda estava vivo quando motorista saiu do carro

Vídeo mostra que homem atropelado em SP ainda estava vivo quando motorista saiu do carro

Coletora de lixo, faxineira e babá para criar 5 filhos

 

Gina Campos, que também trabalhou como faxineira e babá para criar os filhos, tem hoje 10 netos. Uma das filhas está grávida do 11º e, desde a tragédia envolvendo o irmão, está afastada do trabalho por risco de perder o bebê. Gina não come e não sai da cama. Ela quer recuperar as forças para buscar justiça mas admite que “só Deus sabe” quanto tempo vai levar para retomar a rotina. “Tenho fé em Deus que o assassino do meu filho não ficará impune”, pontua. Gina não teve condições de ver o vídeo feito pelo próprio motorista, a principal prova do crime que a família dispõe, e sequer pode ouvir a voz dele narrando as imagens do momento de agonia do rapaz. As cenas têm sido repetidas à exaustão na TV e em outras mídias tamanha a comoção que o caso provocou na opinião pública. “É uma dor tão grande que não sei o que vai acalmar”.

— Ele não tinha o direito de matar o meu filho, foi cruel, não consigo imaginar meu filhinho ali sofrendo, sem socorro. Eu já pedi tanto a Deus para tirar este sentimento ruim de dentro de mim, de injustiça, de ódio. Nunca pensei sentir algo tão brutal. Como um desgraçado tirou a vida do meu filho assim? — desabafa.

Gina se prepara para uma nova cirurgia desta vez para retirar sangue que acumula na retina devido às complicações da diabetes. No dia do enterro de Matheus, ela voltaria ao médico para pegar a série de exames que precisa para ser operada. Com cerca de 1,80, era Matheus quem passou a carregar a mãe no colo e era seu ponto de apoio para as sessões de hemodiálise ou qualquer outro deslocamento. À fraqueza da deixada pela paralisia completa de um dos rins e do funcionamento de apenas 20% do outro, somam-se desânimo, tristeza, humilhação e revolta.

O GLOBO não localizou a defesa de Chirstopher Rodrigues para comentar o caso. Motorista de aplicativo, ele foi excluído dos prestadores de serviço das plataformas Uber e 99. Procurada, a Secretaria de Segurança de São Paulo divulgou apenas uma nota: “O fato ocorrido no último dia 25 está sob investigação por meio de inquérito policial instaurado pelo 5º Distrito Policial (Aclimação). De acordo com informações, o homem teria tentado roubar um celular e na fuga foi atropelado. A equipe da unidade ouviu o autor do atropelamento, aguarda o resultado dos laudos periciais, ouve testemunhas e realiza diligências para esclarecer todas as circunstâncias relativas aos fatos”.

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