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Notas sobre a Lei de Biossegurança à luz da ADI 3526

A indústria da biotecnologia aguarda com grande expectativa a retomada do julgamento da ADI 3526 no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade de dispositivos da Lei 11.105/2005. O julgamento será reiniciado após pedido de vista do ministro Gilmar Mendes – tendo já proferido votos o ministro relator Nunes Marques e o ministro Edson Fachin.  

A lei estabelece a competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para definir “normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de organismo geneticamente modificado (OGM) e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente”.

Somente após a aprovação pela CTNBio é que pode haver pesquisa, utilização ou comercialização de um OGM no país – esta última pode também depender de outros órgãos governamentais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.  

A CTNBio é um órgão estabelecido com caráter consultivo e deliberativo. É formado por 27 cidadãos brasileiros de altíssima formação acadêmica e reconhecida competência técnica das áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente, incluídos representantes de diversos ministérios: Ciência e Tecnologia; Agricultura; Saúde; Meio Ambiente; Desenvolvimento Agrário; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Defesa; Relações Exteriores; Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República – o que retrata sua excelência técnica e multidisciplinaridade.  

Foi a partir da edição da Lei 11.105/2005, que trouxe segurança jurídica sem retirar o escrutínio técnico necessário das avaliações de biossegurança, que inovações biotecnológicas puderam ser utilizadas no país e investimentos foram feitos nesta área. A lei é um marco regulatório crucial para a inovação e desenvolvimento tecnológicos brasileiros.   

Em quase duas décadas, a CTNBio já aprovou a biossegurança de diversas tecnologias com aplicação na medicina, como vacinas contra a gripe e Covid-19, bem como terapias gênicas revolucionárias como o Zolgensma® (onasemnogeno abeparvoveque), indicado para o tratamento de atrofia muscular espinhal (AME).  

Certamente, o agronegócio brasileiro também prosperou com a Segunda Revolução Verde, em que plantas geneticamente modificadas passaram a trazer novos benefícios aos agricultores, como a tolerância a herbicidas, resistência a insetos e ao stress hídrico. Após as incertezas iniciais, com produtores trazendo sementes de soja transgênica contrabandeadas da Argentina, a adoção da biotecnologia se consolidou, se tornando também uma ferramenta no manejo integrado de pragas, com impactos positivos na produtividade das lavouras. Sem o crivo técnico da CTNBio, biotecnologias utilizadas em culturas como milho, algodão ou trigo não teriam chegado ao campo.   

A ADI 3526, ajuizada em 2005 pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, questiona, em essência, a competência da CTNBio para avaliar o risco de atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, bem como o caráter vinculante de suas decisões técnicas. Alega-se, em suma, que haveria violação à Constituição Federal naquilo que se refere à competência concorrente da União, estados e municípios para legislarem em matéria ambiental e ao princípio da precaução, ao não adotar a obrigatoriedade de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) em expresso confronto ao artigo 225, §1º, inciso IV da carta magna. Os dispositivos da Lei 11.105/2005 especificamente atacados são os artigos 6º, VI; 10; 14, IV, VIII, XX e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º; 16, § 1º, III e §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º; 30; 34; 35; 36; 37.   

É preciso ressaltar que um OGM ou seu derivado é submetido a um crivo técnico que avalia os riscos zoofitossanitários, à saúde humana e ao meio ambiente. A biossegurança do OGM é avaliada por um corpo técnico que poderá ou não o aprovar, segundo critérios técnicos que também incluem os impactos ambientais – o que atende perfeitamente ao princípio da precaução – e, se necessário, poderá ser exigida a realização do EIA.   

União, estados e municípios podem legislar de forma concorrente em matéria ambiental, sendo estabelecido no artigo 24, §1º da Constituição e reconhecido pela jurisprudência do próprio STF que cabe à União editar leis gerais sobre a matéria. Isto é o que a Lei de Biossegurança faz ao conferir a competência da CTNBio para editar normas e aprovar atividades relacionadas com OGMs. A existência de um sistema regulatório federal com requisitos e procedimentos próprios nada mais é do que uma norma geral, sendo certo que estados e municípios não podem legislar, no exercício da competência suplementar, de modo conflitante.  

Uma decisão pela inconstitucionalidade dos dispositivos questionados pode acarretar um retrocesso na adoção de novas biotecnologias pelo país, com graves impactos na economia e na saúde da população, até que se implemente um novo sistema para aprovação de OGMs. Tal sistema deve comportar a dinamicidade necessária à área aliada ao rigor técnico-científico na avaliação de riscos para a saúde humana e meio ambiente, como já o faz a atual lei.   

Até o momento, o ministro relator Nunes Marques opinou pela constitucionalidade da Lei 11.105/2005, tendo sido proferido voto dissidente pelo ministro Fachin. Agora, aguardemos o que a Suprema Corte decidirá sobre o destino de uma área tão importante para o desenvolvimento tecnológico do país. 

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