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Conheça a extraordinária história de Antónia de Aveiro, a Joana D’Arc de Portugal

De Aveiro — Portugal, com sua existência milenar, digo sempre, pode nos brindar, em uma simples placa de rua, com um episódio histórico dos mais interessantes. E, acrescento, esse episódio pode mesmo superar a mais fecunda criatividade de uma ficção de cinema. Dou um exemplo.

A cidade de Aveiro é conhecida como “a Veneza de Portugal”, por seus múltiplos canais, que penetram dezenas de quilômetros terra adentro, e pelas gôndolas locais (que aqui se chamam moliceiros), delícia dos turistas que por cá aportam. E quem andar pelo centro da cidade, próximo a um dos canais principais, vai encontrar uma ruazinha com o nome de Antónia Rodrigues. Quem foi Antónia Rodrigues? A placa de rua já resume alguma coisa.

Antónia nasceu, acredita-se, em 1580, em Aveiro, então cidade de pescadores e salineiros, e de família pobre. Filha do marinheiro Simão Rodrigues e de Leonor Dias, desde bem jovem, muito ativa que era, interessou-se pelos feitos de armas de seus patrícios, principalmente no combate aos mouros, ainda aceso na Península Ibérica e nas possessões portuguesas na África.

Mudou-se aos 12 anos para Lisboa, onde vivia Inácia, uma irmã mais velha, também casada com um marinheiro, com quem não se deu bem. Fugiu de casa, cortou os cabelos, vestiu-se como rapaz, e engajou-se como grumete numa caravela portuguesa, a Nossa Senhora do Socorro, que levava mantimentos para Marrocos, mais precisamente para Mazagão (hoje El Jadida), possessão portuguesa no setentrião africano.

Lá, sempre disfarçando o sexo, conseguiu se alistar como infante no exército português local, apesar da pouca idade. Os mouros não davam tréguas aos portugueses, atacavam a cidade, embora fortificada, incendiavam as plantações, e havia necessidade de combatentes.

Não demorou muito para “o” jovem conquistar respeito pela coragem com que combatia e pelo destemor constante. Partia, com alguns companheiros, à caça dos porcos selvagens que abundavam em terras mouras, empreitada que assustava soldados mais velhos e experimentados.

Foi promovido à cavalaria ainda aos 15 anos, segundo a lenda, por ter se antecipado a um ataque noturno e derrotado os pretensos assaltantes mouros, com muita combatividade. Antónia continuou a guerrear com bravura e vivia cercada de respeito na comunidade portuguesa de Mazagão. Conseguia esconder — não devia ser fácil nos alojamentos militares coletivos — sua condição feminina. Todos acreditavam estar lidando com um bravo rapaz.

Foram esse respeito e a admiração que Antónia(o) causava nos salões de Mazagão, frequentados pelas famílias portuguesas mais distinguidas, que entornaram o caldo. As moças casadoiras de Mazagão, então um burgo de alguns milhares de habitantes, começaram a cobiçar o garboso combatente cavalariano, sem dúvida um bom partido, já caído nas graças da Corte. Imagine-se o que passou Antónia para se esquivar das investidas.

E a coisa ficaria mais séria: um dos mais influentes fidalgos portugueses da fortaleza de Mazagão, Dom Diogo Menezes, tinha uma filha solteira, Beatriz, jovem e bonita. Beatriz conheceu pessoalmente — já conhecia de fama —, num sarau em casa de seu pai, o que ela julgava ser um guapo guerreiro e ficou deveras apaixonada.

Como o guerreiro não era outro senão Antónia, as insinuações da jovem Beatriz foram ignoradas e ela chegou a adoecer, de tão enamorada, mas também de tão desprezada.

E o pai, preocupado, buscou o capitão-mor Diogo Lopes de Carvalho, de quem era amigo, para que esse determinasse, como de costume, o casamento.

O capitão-mor buscou, alegremente, se desincumbir da tarefa. Afinal, o casório agradaria a todos: a jovem Beatriz era prendada moça de ótima família, por certo teria apreciável dote e o cavalariano Antônio era das mais respeitáveis figuras varonis de Mazagão. Casamento de aprovação geral, pedido pelo pai e do agrado do próprio capitão-mor, que tinha por Antônio especial apreço.

Convocado à presença do capitão-mor, Antônio caiu das nuvens, tentou desconversar, e prometeu voltar no dia seguinte. Já antevendo desmoralização e prisão, buscou um padre confessor, revelou a verdade e pediu conselho.

O padre Malafaia foi enfático: que confessasse e arrostasse as consequências do pecado. Afinal, ninguém fora, até então, prejudicado pelo engano, e Antônio sempre fora denodado servidor e combatente português.

Mas, por súplica da agora Antónia, que inclusive liberara o padre do segredo confessional, este se dispusera a ir ao capitão-mor, revelar a verdade, contar a vida de Antónia, a pobreza e as dificuldades que a levaram à ocultação da condição feminina e pedir clemência.

Não foi preciso pedir misericórdia: o capitão-mor se mostrou perplexo, e não revoltado, mas admirado, pois coragem, então qualidade essencialmente masculina, sobejara naquela jovem a quem Mazagão e Portugal tanto deviam.

Que Antônio se revelasse Antónia, e continuaria a ter o respeito local, seria uma Dama de Mazagão. E para surpresa desta, não houve condenação ou execração, mas o continuado respeito e a admiração crescida, pelos feitos da que agora era conhecida localmente como A Cavaleira. E Antónia, naquele começo de século XVII, em 1603, mais precisamente, viria se casar com um antigo camarada de armas, um cavalariano a quem por certo já deitara secretamente algum olhar diferente. Teriam um filho.

O restante da existência de Antónia é menos excitante. Antónia, marido e filho (cujos nomes a crônica não revela) mudaram-se para Lisboa, em 1607, onde ela enviuvou anos depois (em data também não mencionada).  Viviam-se as décadas em que, após a Batalha de Alcácer-Quibir e o desparecimento de Dom Sebastião, as coroas de Espanha e de Portugal tinham novamente se unido. Era rei Felipe III de Espanha (que era também Felipe II de Portugal), e a Corte era Madri. Para lá se mudaram Antónia e o filho, e o rei, que sabia de sua fama, quis conhecê-la. Em 1619 ela foi recebida por ele, que lhe atribuiu generosa pensão de mercê, e admitiu seu filho como Moço da Real Câmara, o equivalente a lhe conferir um título de nobreza, ainda que menor. Em 1921, Antónia regressou a Portugal, e pouco se sabe sobre seus últimos anos. Sabe-se apenas que faleceu em 1641 ou 1642.

E como se conheceu essa toda história?, perguntará o leitor. Ocorre que Duarte Nunes de Leão (1530-1608), que foi importante gramático e historiador seiscentista, conheceu pessoalmente Antónia, e em uma de suas obras relatou seus feitos. A ele devemos o conhecimento dessa intrigante fração de biografia de nossa Antónia Rodrigues, ou Antónia de Aveiro, figura deveras singular, espécie de Joana D’Arc portuguesa.    

Crédito da publicação

Publicado na “Revista Sicoob” nº 23 e reproduzido com autorização do editor Fernando Cupertino (curiosamente, mandou a autorização em francês) e do autor, Irapuan Costa Junior, colunista do Jornal Opção. O título original do texto é: “Antónia (ou Antônio) de Aveiro”.          

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