• New Page 1

    RSSFacebookYouTubeInstagramTwitterYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTube  

Repúdio ao personalismo de últimos presidentes favorece surgimento de nova liderança

O governo de Jair Bolsonaro (PL) foi marcado pela aproximação daquilo que é público com a figura pessoal do presidente: da decisão de retirar por decreto radares de rodovias federais para agradar apoiadores caminhoneiros às quatro trocas de diretores da Polícia Federal que investigaram membros de seu grupo político. Parte heterogênea da sociedade se uniu em uma “frente ampla” no segundo turno para apoiar Lula da Silva (PT) porque, entre outras razões, repudiava a pessoalidade na administração pública. O ato realizado pelo presidente no Dia do Trabalhador, entretanto, frustra esse eleitorado que não exatamente apoia Lula, mas votou nele. O contexto favorece a busca por uma nova liderança. 

No dia primeiro de maio, Lula da Silva utilizou estrutura pública para pedir votos para seu candidato em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL). O evento realizado na Neo Química Arena, o estádio do Corinthians, teve patrocínio do Conselho Nacional do Sesi, da Petrobras (empresa de capital aberto cujo acionista majoritário é o Governo do Brasil), e outros. Foi ainda parcialmente financiado com recursos captados pela Lei Rouanet, de acordo com informações do Sistema de Acesso às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), vinculado ao Ministério da Cultura. 

A Justiça Eleitoral determinou na quinta-feira, 2, que o YouTube e o presidente removam o vídeo em que ele pede votos para Boulos, mas os demais trechos do evento não são muito mais republicanos. O Festival Cultura e Direitos teve transmissão por uma TV Pública e consistiu em uma espécie de showmício extemporâneo, com a assinatura de decretos; um que estabelece convênio e remuneração decente para empregados domésticos, e outro para isentar o Imposto de Renda até dois salários mínimos. No vídeo retirado por determinação da Justiça, Lula chegou a afirmar que Boulos enfrenta “três adversários” na eleição: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Soma-se ao caldo, a mesma revolta com outro Poder da República. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) participaram de fórum jurídico patrocinado pela British American Tobacco (BAT) Brasil (antiga Souza Cruz) e o Banco Master  — empresas que respondem a dois processos no mesmo STF. O “1º Fórum Jurídico: Brasil de Ideias” foi realizado em Londres e as autoridades tiveram passagens e estadias no luxuoso hotel The Peninsula custeadas pela iniciativa privada. 

Lula e os ministros não estão institucionalmente ligados, mas politicamente representaram a união social que repudiou a pessoalidade de Jair Bolsonaro em 2022. Mesmo o anti-bolsonarista mais empedernido, como Conrado Hübner Mendes, articulista da Folha de S.Paulo, publicou (escrevendo com ironia como se fizesse parte da corte): “Depois de tudo que fizemos pela democracia e pelo combate à bestialidade autoritária, estamos cansados. Cansados com a falta de gratidão e com o excesso de vigilância sobre nossos hábitos anti-institucionais. […] Respeitem nosso gosto de viajar pago por empresas que julgamos no dia a dia. Só sabemos julgar de modo justo e imparcial. Podem ser empresas de tabaco, de serviços financeiros, de agronegócio, de construção civil, de ensino. Não discriminamos nossos financiadores, nem julgamos. Negociamos.”

O fato é que os humores eleitorais são diferentes em 2024, e serão ainda mais diversos em 2026. Se parte da sociedade teve tolerância com longos inquéritos mal-definidos sob justificativa de combater nas urnas um mal maior, hoje as coisas já não são mais “preto no branco”. O argumento da frente ampla não deve funcionar nas próximas eleições presidenciais, e já perde força agora, nas eleições municipais. 

Em Goiânia, a pré-candidata Adriana Accorsi (PT) justificou a escolha de um vice de centro para sua chapa com o exemplo da chapa de Lula e Alckmin (PSB), que foram opositores no passado, e se uniram nas eleições contra Jair Bolsonaro. Na Capital goiana, fica a pergunta: esta é uma frente ampla contra o quê? O contexto local é diferente. Aqui, não há um político personalista que tenha aparelhado instituições. Falta um antagonista contra quem a sociedade possa se unir mesmo contrariada. Em outras palavras, as coisas têm mais nuances.

Vejamos o comportamento dos pré-candidatos da cidade. O atual prefeito Rogério Cruz (SD) jamais tentou interferir em investigações policiais, mesmo quando atingiram seu grupo político. Sandro Mabel (UB) afirma ter se tornado pré-candidato apenas para gerir Goiânia, sem interesses ideológicos. Vanderlan Cardoso (PSD) é um senador que dialoga em nível nacional com a esquerda do presidente Lula e em nível local com a direita de Bolsonaro. Talvez o argumento funcione melhor contra Gustavo Gayer (PL), que é diretamente ligado ao ex-presidente; mas, não tendo ele um histórico de gestão com ações concretas de inconstitucionalidade, é muito mais difícil fundamentar uma campanha contra suas palavras.

Adriana Accorsi explica que, para ela, o termo “frente ampla” significa abertura para agregar aqueles que pensam diferente. “O propósito de uma frente ampla não é só ganhar a eleição, mas governar. Queremos que todos os setores da sociedade participem do nosso projeto. Meu propósito é que todos tenham espaço de diálogo e de participação na administração da cidade”, disse ela em entrevista ao Jornal Opção. O raciocínio é republicano e coerente com o comportamento de Lula, que busca o centro para governar. Mas não é o mesmo raciocínio que o elegeu em 2022. O eleitor, naturalmente, pensará: “E quem disse que os demais candidatos pretendem fazer outra coisa? Nenhum deles (talvez à exceção de Gayer) alega que irá governar apenas para o próprio eleitorado.”

Em especial no segundo turno, a ideia de frente ampla é convincente porque os eleitores identificam situações que repudiam, em vez de selecionar seu político preferido. Em um cenário de nuance, menos polarizado, reconhecer o elemento que desagrada a maioria exige perspicácia. Se eleitores de todos os grupos estão descontentes com o personalismo exibido pelos últimos representantes, como se mostrar diferente?

Neste contexto, os olhos públicos se voltam para os problemas concretos, em detrimento de ideologias imateriais. No caso de Goiânia, há diversos tópicos-chave a serem abordados nas campanhas: a crise do lixo, a privatização da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), a dívida do Instituto Municipal de Assistência à Saúde dos Servidores de Goiânia (Imas), a paralisação na saúde, o déficit de vagas em creches. Em nível federal, o que pode unir novamente a sociedade, agora desagregada pelas evidências de que os últimos presidentes se comportaram de forma igualmente personalista?

Ronaldo Caiado (UB) fez um diagnóstico rigoroso: a violência preocupa a todos, mesmo aqueles que se identificam como de esquerda (um lado do espectro ideológico com menos entrada na seara da segurança pública). No dia 26 de abril, em entrevista ao canal no YouTube d’O Antagonista, o governador afirmou: “A maior demanda de 59% da população brasileira é a segurança pública. Em Goiás, quando assumi o governo, precisava dar uma resposta rápida para o estado poder crescer. Implementamos uma política de segurança com inteligência, baseada em informação, e foi isso que fez o Estado crescer duas vezes mais do que a média nacional. Diferente de outras unidades da federação, em Goiás as facções criminosas não dominam grandes áreas, o que permite a chegada do estado democrático de direito e a instalação de empresas, que movimentam a economia.”

O cenário de insatisfação está dado — desde já, as fronteiras borradas entre a coisa pública e a coisa pessoal irritam ambos os lados do espectro ideológico. Soma-se a isto, uma demanda real para resolver problemas concretos, como a violência urbana. A atenção dos últimos presidentes voltada para aquilo que os interessa pessoalmente fez com que essas demandas concretas parecessem ignoradas. O contexto favorece o surgimento de uma nova liderança que, ao mesmo tempo, apresente soluções palpáveis para problemas reais e se mostre menos apaixonada por seu próprio poder. Após a ressaca da polarização e da ameaça de autoritarismo em 2022, este é um momento natural do amadurecimento da democracia: o eleitor se preocupa menos com a figura individual do líder e passa a buscar soluções, afinal.

O post Repúdio ao personalismo de últimos presidentes favorece surgimento de nova liderança apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Os comentários estão desativados.