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Cannes: Karim Aïnouz fala com o Metrópoles sobre Firebrand, seu primeiro projeto em inglês

Cannes – “Antes de qualquer coisa, de ser um filme sobre uma rainha, sobre um rei, sobre um tirano, eu acho que é um filme sobre o fim do patriarcado. A personagem principal faz isso: ela resiste ao patriarcado e ela dá cabo ao patriarcado. Então eu acho que isso me deu tesão de fazer o filme”, explica Karim Aïnouz sobre Firebrand. O longa do cearense foi exibido no Festival de Cannes e concorre à Palma de Ouro, principal prêmio da competição.

A protagonista à qual ele se refere é Catherine Parr. Sexta esposa do rei Henrique VIII, ela foi a única a sobreviver ao homem que o diretor considera um feminicida. “Esse rei decapitou duas mulheres, envenenou uma e outra morreu no parto porque ninguém cuidou dela. Ele era um rei que teve seis esposas ao todo e me interessou muito contar a história da que sobreviveu, porque já basta de filme de mulher morta, de história de mulher morta”.

Confira:

METRÓPOLES: É muito bom ver uma certa audácia num destes filmes sobre a realeza britânica.

KARIM AÏNOUZ: Esse gênero não costuma ser muito audaz. Normalmente tem algo muito reverencial. Sobre o passado das roupas, é tudo mentira, entendeu? Era um negócio muito violento, um negócio muito sujo.

Quando você fez A Vida Invisível, você disse que queria mostrar que suas personagens tinham fluídos, que as pessoas iam para o banheiro…

Tem uma coisa do cinema que eu adoro que é a sensação de você estar no mesmo espaço, estou falando da sala do cinema, não exatamente do cinema que você vê em casa, na televisão. E aí, como é que se constrói isso? Como é que você consegue dar a sensação de que você tá sentindo o cheiro do outro? Como que você está escutando o outro? Eu acho que o que é lindo do cinema é isso, não tem fronteira entre a tela e o espectador. Você meio que adentra o mundo ali de um jeito muito mágico mesmo, que não é esotérico, é uma engenharia que a gente faz para construir isso.

E acho que uma das maneiras de você se aproximar de um personagem assim no cinema, claro que tem um close up, um movimento de câmera, mas tem outros elementos que talvez não estejam na tela. Cheiro, para mim, é importante. A música é importante, o som que não está na tela, o som que está fora da tela. Então isso é uma primeira coisa que eu queria muito fazer nesse filme. A sensação de distanciamento que você tem quando você vê um negócio que se passa 500 anos atrás não é pequena, é muito tempo. Como é que as pessoas viviam?

Então uma das coisas que foi muito importante para mim foi uma pesquisa que a gente fez, gigante, sobre a vida cotidiana daquela dinastia, daquele lugar. Como é que as pessoas acordavam, como é que elas escovavam os dentes? O filme começa com a rainha escovando o dente, alguém escovando os dentes de uma rainha com carvão.
Então acho que tem uma sensação de cotidiano que a gente trouxe, que me interessa muito. Não por uma questão de estilo, nem de estética. Me interessa enquanto estratégia narrativa mesmo. Você está perto ali, de um personagem que parece que está tão longe de você…

A diferença entre cinema e teatro, é que no cinema você consegue chegar pertinho, enxergar os detalhes de um close-up, ouvir as pessoas sussurrarem, enquanto no teatro elas falam para serem ouvidas por todos. Você gosta da palavra ‘textura’?

Amo essa palavra. Gosto da palavra textura. Gosto da palavra cheiro. Gosto da palavra fricção. Assim, sabe, táctil. Quando você fala de textura, está falando de coisa, né? É isso, são esses cinco sentidos, e para mim é muito importante eu conseguir trazer todos assim, sabe? Para de fato criar uma experiência de compartilhamento.

Eu me lembro de quando eu comecei a fazer longa-metragem, tanto no Madame Satã quanto no Céu de Suely, tinha uma coisa para mim que era importante você estar na mesma sala da Hermila, entendeu? E não ficar olhando para a Hermila como se ela estivesse muito longe. Era importante que você estivesse sentindo a textura da pele do João Francisco dos Santos. Então acho que nesse filme tem isso, tem bicho, tem gente tomando banho e escovando dente.

Não é porque é rei, rainha, que não faz cocô, entendeu? Então assim, desculpe o termo, mas tá todo mundo suando ali… Tinha uma cena até que não ficou, que era o rei fazendo xixi. Não fazia muito sentido no final e tinha uma cena dele tomando banho. Mas era isso também, tinha um trabalho político mesmo aqui na casa, não dá para você tratar a monarquia como se fosse algo especial, entende?

Eu acho que não dava para tratar aquelas pessoas como se elas não fossem pessoas. É o princípio da monarquia é exatamente isso, que elas não são pessoas. Elas são Uber pessoas, pessoas acima do bem e do mal. Então era muito importante que essa coisa da textura do cotidiano tivesse impregnado o filme.

A gente já falou da política de ver essas personagens como pessoas, e do seu cinema ser textura, essa coisa tátil, que é muito especial, mas aqui também se vê uma política um pouco atrevida, que nem você gosta…

Cara, não dá para estar no mundo e não questionar o mundo. O mundo está cheio de questões, de problemas. Eu acho que é importante você poder imaginar horizontes políticos mais justos, horizontes políticos menos opressivos. E então nesse filme tem isso e tem uma liberdade grande de interpretação de história, porque apesar da gente ter sido super rigoroso com a pesquisa histórica, nada do que tem ali é anacrônico. Não me interessava muito fazer nada anacrônico porque não fazia muito sentido aqui. Mas existem releituras possíveis da história quando você está contando uma história que se passou há tantos anos.

Antes de qualquer coisa, deste ser um filme sobre uma rainha, sobre um rei, sobre um rei importante da Inglaterra, sobre um tirano, é um filme sobre o fim do patriarcado, em última instância. Por isso que me interessou fazer esse filme. E eu acho que o que a personagem principal faz é isso: ela resiste ao patriarcado e ela dá cabo ao patriarcado. Então eu acho que isso foi muito do tesão que me deu de fazer esse filme e de contar uma história.

Esse cara era um feminicida. Esse rei decapitou duas mulheres, envenenou uma, a outro morreu no parto porque ninguém cuidou dela. Então me interessou muito. Ele era um rei que teve seis esposas ao todo e me interessou muito contar a história da que sobreviveu, porque já basta de filme de mulher morta, de história de mulher morta. Então tem algo aqui, que quando você fala da ousadia política, eu acho que também tem isso, é querer contar a história que não foi contada. Por que fica todo mundo falando das mulheres que perderam cabeça? Vamos falar de uma que não perdeu, pelo amor de Deus! E quando você olha para a que não perdeu, é muito maluco, ela é a primeira mulher que publicou na Inglaterra, era uma mulher que tinha uma agenda política radical para a época dela.

Tem um desejo ali meio quase explosivo–quando as pessoas virem o filme vão entender–de dar fim a esse ciclo, que é um ciclo de violência, que não é só porque é monarquia.

Como alguém que vai lançar um filme, como contador de histórias, o que dizer sobre a diferença entre pessoas que não conhecem a história, e aquelas que conhecem o período, os fatos históricos?

É um pouco como um trapezista, você fica ali e tem uma linha muito delicada. É um período histórico, quando você vai para a Inglaterra, exaustivamente pesquisado e exaustivamente documentado, exaustivamente celebrado e exaustivamente ficcionalizado, então o que é que eu posso trazer para cá, que tenha alguma originalidade, que tenha algum frescor, que tenha alguma relevância para os nossos dias?

A gente tem uma liberdade de interpretação da história. Por que repetir tantos filmes que já foram feitos sobre Henrique VIII? Não sei se tem dezenas, mas tem muitos filmes sobre esse personagem, e não tem nenhum sobre ela. Me lembro que eu estava vendo locação, uma vez, um desses castelos que tinha essas lojinhas de presentes e tal. E aí tem uma coleção na Inglaterra de livro de criança. Tinha uma sobre ele, entendeu? É uma figura emblemática da identidade inglesa. Então o quanto você pode contar, o que é que você pode mudar, foi muito delicado o tempo inteiro e a clareza foi muito delicada.

E ele tem uma coisa que tem realmente um final surpreendente, inclusive para mim. Eu falei ‘gente, que doidice esse final, e onde é que isso veio’, mas sem aquele final, o filme não fazia sentido para mim. Então quando vocês forem ver, vocês vão entender do que eu estou falando.

É um final que faz completo sentido.

Mas eu acho que ele é um final também, é uma interpretação da realidade do que aconteceu naquela época, que é um final que é fruto dos nossos tempos. Sabia? Eu acho que tem uma coisa tão importante desse filme. Eu queria muito que daqui a 50 anos, se ele perdurar e se ele for um filme que de fato tenha uma relevância, de que ele também seja um filme que seja um documento do agora, apesar de ele ser sobre o século 16.

Acho que no Vida Invisível o que eu fiz foi uma espécie de autópsia do patriarcado, e aqui o que eu estou querendo fazer é uma autópsia e uma projeção do que poderia ser o pós-patriarcado. Então, nesse sentido, tem um relação muito próxima com o filme anterior, mas ele tem um outro desejo.

Falando em filme anterior, ainda tem dois entre entre Vida Invisível e esse. Queria saber se você vai dar consultoria sobre administração de tempo. Como é que fez isso? Como você fez quatro filmes um atrás do outro, e fazendo press para os filmes e apresentando eles em festivais?

Eu não fiz escola de cinema, eu fui aprendendo cinema e fazendo. Eu fui podendo fazer cinema por conta das políticas de financiamento público que tiveram no Brasil na minha geração. Realmente, eu comecei fazendo cinema, foi um porradão, porque foi o fim da Embrafilme, eu entrei para fazer cinema e pensei ‘será que eu vou fazer isso?’ Aí quando de fato comecei a fazer longa-metragem, eu continuei podendo trabalhar muito assim.

Então o que eu senti um pouco–e esse filme é um pouco fruto disso–num determinado momento, cara, eu tinha quatro filmes que eu fazia no Brasil, entendeu? E acabou. O fascismo foi eleito, a cultura virou uma ameaça gigante e eu tinha 52 anos quando isso aconteceu. Eu tenho 57 agora, tinha 53. Eu falei ‘Cara, eu adoro o que eu faço, tenho um monte de coisa pra dizer do mundo e agora vou ter ficar calado?’. Acho que isso me deu uma urgência, entendeu? De continuar fazendo. E aí eu entrei nessa e dei conta. O que a gente faz é um privilégio, me divirto fazendo o que eu faço, entendeu?

Acho que tem a ver com idade também. Assim, eu tenho tanta coisa pra falar do mundo, eu acho que o cinema tem um negócio tão potente de transformação, de reimaginação do mundo, ali tem algo que me faz sentir muito vivo. Então eu tenho virado, mesmo, um serial film-maker, eu não consigo parar muito, gosto de ter muitos projetos ao mesmo tempo, porque tudo pode acontecer. Depois do que eu já vivi, quer dizer, eu vivi 94 com o final da Embrafilme e eu vivi 2018 com o final do Brasil, entendeu? E eu pago aluguel, eu como, por causa do que eu faço e o que eu faço é dirigir. Eu não tenho mais 30 anos pela frente fazendo cinema, talvez eu tenha 20. Não sei se aos 80 anos eu vou estar pulando… Se eu puder fazer, eu vou continuar fazendo. Mas eu acho que é isso. Parou de novo, eu falei ‘não quero parar’. E agora, se eu puder fazer um por ano, serei muito feliz.

 Em qual fase, de roteiro, você entrou nesse projeto?

Acho que é a minha sorte e o meu azar é o seguinte: eu não sou um bom roteirista, eu não tenho muita paciência de escrever, eu não sou um cara da palavra. Eu acho que na verdade dos fatos eu sou o cara da imagem, sei lá porque, eu acho que eu sou meio disléxico, levo muito tempo a ler um livro, eu leio muito, mas não é exatamente o lugar que fico mais feliz. Eu fico muito mais feliz em uma sala de montagem do que no computador escrevendo história. Nem sou tão bom contador de história assim também. Acho que eu sou um bom retratista de personagem no cinema.

O que eu faço é que eu leio o tratamento que o cara escreve, depois ele manda de volta, aí depois eu faço notas, que são notas de estrutura. Então eu consigo manobrar vários projetos ao mesmo tempo porque eu não estou escrevendo. E eu consigo também ter uma relação com meus produtores–eles estão ali, engajados nos projetos. No cinema, e isso não é nenhuma novidade, de dez filmes que são desenvolvidos, um é feito.

Eu tenho um amigo que está fazendo um filme, fez cinco anos que ela está escrevendo um roteiro, eu não tenho mais paciência fazer isso. Como eu te falei, tem muita coisa que eu quero contar, muita história que eu quero contar. Ainda bem que eu não sou um bom roteirista, porque se você termina um filme, aí você ainda vai escrever o outro filme, entendeu? Eu não, hoje em dia eu termino um filme, eu termino de filmar, aí entra montagem, dá para entrar na pré-produção de um outro filme e não perde foco não. Eu acho que eu sou tão apaixonado pelo que eu faço, que não tem essa coisa de perder foco e é isso, é uma urgência, né não? Maravilha.

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