• New Page 1

    RSSFacebookYouTubeInstagramTwitterYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTubeYouTube  

    Social - Repositório

Clima é tudo o que temos e corremos o risco de perder

Minha avó paterna conta que a diversão da adolescência era circular na praça da cidade e fazer “futi”: as moças andavam em um sentido, os rapazes, no oposto; quando se encontravam, a troca de olhares alimentava a paquera.

Os passeios já não são os mesmos, e o clima, tampouco. Quando Terezinha nasceu, em Paranaíba, Mato Grosso – ainda não existia o “do Sul” –, podia esperar uns 80 dias acima de 32°C no ano naquela região. Hoje, são ao menos 136. Noites frescas tornaram-se raridade. Ventilador ou ar-condicionado, quase a regra.

A mais de 3.000 quilômetros de distância, em Manaus, Amazonas, minha avó materna criava minha mãe e meus tios à beira do rio Negro. Era dele que pegavam água para lavar louça e fazer as tarefas de casa. Mesmo acostumada com o vai e vem das águas, Raimunda não imaginaria a magnitude da seca histórica que esse rio amazônico enfrentou em 2023.

Lembro de um estudo que fala sobre o bem-estar humano diante das mudanças climáticas e nossa percepção de como somos afetados por elas. É comum pensar na economia, nos trabalhos, nos benefícios oferecidos pela natureza – os tais serviços ecossistêmicos –, e mesmo na sobrevivência da vida na Terra, quando queremos citar os impactos da emergência no clima.

Mas o que eu gosto desse artigo é que as pessoas também comentam sobre seus sentimentos de pertencimento e inspiração no meio ambiente. É uma visão que pode não parecer tão presente no cotidiano da cidade, mas que está em ações e ensinamentos de povos e comunidades tradicionais há muito tempo.

A subjetividade é a primeira coisa que vem conosco: memórias, lugares favoritos, cheiros, lembranças de pessoas queridas. Tudo está com a gente o tempo todo. Com essas lentes, moldadas por experiências, vemos o mundo. Ainda assim, isso que nos faz humanos nem sempre aparece na ciência como algo importante.

Na prática, esses sentimentos mais profundos nos guiam em situações difíceis. Uma pesquisa com quase 60 mil pessoas em 23 países descobriu que o amor é o principal argumento para mobilizar e engajar o mundo em torno da pauta climática.

Proteger o planeta para as próximas gerações” foi considerado um motivo 12 vezes mais forte para agir pelo clima do que “aumentar o emprego e o desenvolvimento econômico” com tecnologias verdes.

Outras razões mais citadas que a economia foram: “Proteger a nós mesmos dos eventos extremos” (sete vezes mais forte) e “Proteger a nossa saúde com a redução da poluição do ar e da água” (cinco vezes mais forte).

Nessas de abrir trocentas abas no computador, li em algum lugar que todo mundo quer ser amado. Não sei porque a gente inventou que falar de amor é clichê, afinal, é bem capaz que seja a coisa mais significativa das nossas vidas. E não é que o amor pode ser, mais uma vez, a resposta?

Um artigo deste ano comprovou que o cenário é mais positivo do que imaginamos: das 130 mil pessoas entrevistadas em 125 países, 86% apoiam a mudança de comportamento em prol do clima e 89% defendem a intensificação da ação política. Ainda, 69% gostariam de contribuir com projetos na área doando ao menos 1% de sua renda mensal.

De alguma forma, olhar para os números, que refletem posicionamentos reais, emociona. É como lembrar que não estamos sozinhos.

Muitas vezes, quando estamos mergulhados em uma causa, seja por trabalho, ativismo ou militância, caímos na ideia da “bolha”. Mas é só olhando para os lados, para o quadro maior, que a gente percebe os grandes movimentos que a humanidade articula coletiva e simultaneamente.

Quando eu era criança, fui à praia pela primeira vez com a família na cidade de Matinhos, Paraná. Saímos em dois carros, quatro crianças e oito horas de estrada pela frente.

Não me dei conta da imensidão do mar ao chegar. Só gostei da água e da areia, do sol e do milho cozido. Com nostalgia, mais de 20 anos depois, vejo a notícia sobre o alargamento da faixa de areia em Matinhos, obra maior que a famosa em Camboriú. Mexe comigo saber que a praia também foi mexida.

As atividades com e na natureza são o oásis dos brasileiros e brasileiras. A gente pode até achar que é só um passeio, mas é muito mais: nos faz bem. Entre os hábitos culturais do nosso país em 2023, me chamou a atenção os “Eventos ao ar livre” em 4º lugar numa lista cheia de atrativos online.

Das vivências de minhas avós, até as minhas próprias e de tantas outras pessoas, podemos coletar os mais variados exemplos de efeitos negativos das mudanças climáticas. Em maior número, poderíamos contar, se a gente quisesse, os presentes que o clima ainda nos garante todos os dias.

Quem sabe, olhando para o tanto que temos, possamos ter noção do quanto corremos o risco de perder. Concretamente, o trabalho, o dinheiro e a infraestrutura, por exemplo; passando pelas formas de vida que proporcionam a nossa, como a água, o alimento, o ar e a terra; ao que há de mais intangível, em conexão com todos os seres, e, afinal, nos faz sublime.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.