Recomendação do governo Bolsonaro era a de que o aborto legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação. Nota técnica da atual gestão retirava essa orientação de prazo e reforçava que serviço de saúde deveria oferecer o atendimento sem impor qualquer limitação além das previstas pela Constituição. Fachada do prédio do Ministério da Saúde
MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL/BBC
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu nesta quinta-feira (29) a nota técnica que derrubava orientação do governo Bolsonaro que fixava prazo para o aborto legal (veja nota do Ministério da Saúde abaixo).
➡️ A recomendação do governo Bolsonaro era a de que o aborto legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação. O argumento era que, a partir daí, haveria “viabilidade do feto” de sobreviver e não seria mais um aborto, mas parto prematuro.
Essa orientação criou situações como a da menina de Santa Catarina de 11 anos estuprada que descobriu que estava grávida com 22 semanas. Inicialmente, ela foi impedida de fazer o aborto.
Na nota publicada quarta-feira (28), o Ministério da Saúde ressaltava que caberia aos serviços de saúde o “dever de garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços”.
Além disso, o documento ressaltava que não poderia ser imposta qualquer limitação, senão as que estiverem previstas pela “Constituição, pela lei, por decisões judiciais e orientações científicas internacionalmente reconhecidas”.
A nota técnica era assinada pelo secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, e pelo secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Junior.
O documento também anulava a cartilha “Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, que dizia que “todo aborto é crime” e defendia que houvesse investigação policial.
Motivo da suspensão
De acordo com a assessoria do Ministério da Saúde, a ministra Nísia Trindade Lima tomou conhecimento da publicação da Nota Técnica nº 2/2024 enquanto cumpria agenda em Boa Vista (RR).
“O documento não passou por todas as esferas necessárias do Ministério da Saúde e nem pela consultoria jurídica da Pasta, portanto, está suspenso”, informou a pasta.
O ministério ainda ressaltou que o tema é objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 989), do Supremo Tribunal Federal, e será tratado pela ministra junto à Advocacia-Geral da União (AGU) e ao STF.
A ação pede que o Supremo Tribunal Federal (STF) determine a adoção de providências para garantir o direito ao aborto em casos permitidos pelo Código Penal e em gestações de fetos anencéfalos, argumentando que a proteção às vítimas de estupro é inadequada e constitui uma segunda forma de violência estatal.
Segundo o Código Penal, o aborto não é punível quando realizado para salvar a vida da gestante ou em casos de estupro. E o STF já decidiu pela não criminalização do aborto em casos de anencefalia fetal.
A ADPF 989 é apoiada por diversas organizações, incluindo a Sociedade Brasileira de Bioética, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde e a Associação Rede Unida, que compõem a “Frente pela Vida”. Essas entidades afirmam que a legislação brasileira é clara quanto à obrigação do Estado em garantir o aborto nessas circunstâncias.
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Reprodução
Direitos reprodutivos
Referência nas discussões sobre direitos reprodutivos, a antropóloga e professora na Universidade de Brasília Débora Diniz diz que a medida do governo (que foi suspensa) era o reconhecimento da “ciência médica básica”.
Ela pondera ainda que, “dada a dificuldade de se tratar o tema do cuidado em interrupção da gestação como uma política de saúde baseada evidências, pois é sequestrada por ideologias fanáticas, o documento é uma tentativa de resumir práticas, modelos e procedimentos de cuidado”.
Espero que o documento esclareça e facilite a compreensão de que uma menina que necessita de um aborto após violência sexual está em risco a saúde, com graves impactos a sua saúde mental.
Ela acrescenta que, “em uma ordem social em que o aborto fosse um cuidado de saúde (como qualquer outro) em particular para meninas em risco de vida após um estupro, esta nota técnica sequer seria necessária”.
Ministério da Saúde suspende nota técnica que derrubava orientação do governo Bolsonaro sobre aborto legal
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