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EDITORIAL: NÚMERO DE MORTES E DOENÇAS POR AGROTÓXICOS ESTÁ SUBESTIMADO

Novas pesquisas apontaram os malefícios causados pelo uso excessivo de agrotóxicos nas lavouras

Quando ainda no governo de Jair Bolsonaro, a então ministra da Agricultura, a matrogrossense Tereza Cristina, pressionada por parceiros internacionais preocupados com a imensa quantidade de agrotóxicos liberada pelo governo, recorreu a mais uma mitologia para tentar explicar. Ela disse que o clima no Brasil não era favorável ao cultivo de orgânicos e só restava aos produtores a alternativa de bafejar pesticidas sobre as plantações. Ora bolas!

Mas o ritmo dessas novas autorizações não parou. O ministério anunciou logo após uma análise de mais 33 pedidos de liberação de agrotóxicos – para a alegria da indústria fabricante que se encontrava cada vez com mais dificuldade para desovar seus produtos nas nações desenvolvidas. Não se tratava apenas de volume. O País impunha limites de toxicidade absurdamente mais elevados que aqueles permitidos nas principais economias do planeta. Um trabalho elaborado pela pesquisadora Larissa Bombardi (Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a Comunidade Europeia), apontou a diferença entre os limites locais e aqueles que eram adotados na União Europeia.

Embora as metodologias fossem diferentes, assim como os anos em que foram apuradas, um estudo elaborado pela European Envinroment Agency, em 2008, intitulada “Use of Herbicides Across Europe”, mostrou que na UE a escala não passava de 2 quilos por hectare – e assim mesmo essa quantidade só era utilizada em um único país, a Bélgica. No Brasil, a média de consumo do glifosato nos estados da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul oscilava entre 5 e 9 quilos por hectare. No Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso, esse número crescia assustadoramente: entre 9 e 19 quilos.

Segundo o professor Pablo Moritz, diretor do Centro de Formação Toxicológica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, não existe um jeito seguro para o uso de agrotóxicos na produção de alimentos. Ele afirma que nos períodos de maior vulnerabilidade do nosso corpo, como a gravidez, a infância e a adolescência, qualquer dose desses venenos (agrotóxicos) pode provocar graves doenças.

O resultado dessa engenharia da morte é que a presença de herbicidas nos alimentos tende a ser fatal à saúde humana. Existem quatro graves consequências, segundo Moritz. A primeira, chamada de neurotoxicidade, age diretamente no sistema nervoso periférico. A ciência comprovou que, mesmo em pequenas doses ou porções, os agrotóxicos, neste caso, notadamente os inseticidas, causam sérios problemas, principalmente em crianças, como alteração no QI, déficit de atenção, hiperatividade, autismo e transtornos psiquiátricos. Na vida adulta, elas são o gatilho para uma série de doenças neurológicas.

A segunda é a chamada toxicidade endócrina, que afeta os órgãos regulados por hormônios. As principais doenças são obesidade, diabetes, infertilidade, puberdade precoce e o câncer em órgãos que dependem de hormônio – como as mamas, próstata, ovário e testículo.

A terceira é o câncer. O glifosato, agrotóxico mais utilizado no Brasil, de acordo com inúmeros estudos científicos, é altamente cancerígeno. Pesquisas recentes também relacionam os pesticidas à incidência de leucemia, linfomas e tumores sólidos no sistema nervoso central. Por fim, estimula a chamada disbiose intestinal, um desequilíbrio causado pela diminuição do número de bactérias boas do intestino e o aumento das bactérias capazes de causar doença.

No Brasil, apenas para citar que não estamos falando apenas de um governo, entre os anos de 2007 e 2014, foram registradas quase 2 mil mortes por intoxicação agrícola, média de 148 óbitos por ano ou um caso a cada dois dias e meio. O campeão foi o Paraná, com 231 falecimentos no período, seguido por Pernambuco (151) e o trio São Paulo, Minas Gerais e Ceará (83 cada um).

Os registros oficiais do Ministério da Saúde apontaram que, no mesmo período, os casos de intoxicação por agrotóxicos superaram 25 mil. O alarmante nesta estatística é que, para cada caso notificado, pode ter havido 50 outras não notificadas. “Os casos apontados no Mapa são apenas a ponta do iceberg, cerca de 2% do total”, escreveu Bombardi. Por conseguinte, “é possível haver 1,25 milhão de intoxicações no País por agrotóxico”. Na mesma lógica, o número de óbitos seria muito maior.

Outro fator preocupante é a quantidade de mortes de bebês com até 12 meses. Naquele período, foram anotados 343 casos, média de 49 por ano. O Paraná também liderou esta lista (41), seguido por Minas Gerais (35) e Pernambuco (28). Uma criança nessa idade não se locomove sozinha. Isso demonstra claramente o risco a que estão expostas pela presença de veneno no ambiente familiar, na convivência comunitária ou no uso desenfreado do produto, inclusive pela pulverização da área. Vale lembrar que na Comunidade Europeia não é permitido o uso de aviões na aplicação dos produtos.

Sônia Hess, engenheira química e pesquisadora na área de química orgânica e saneamento ambiental, afirma que a cada dia “estamos sendo mais e mais envenenados”. Para os cientistas, diz ela, não há novidade nessa descoberta, mas a população não consegue entender o risco latente pela falta de informações. Por outro lado, “a mídia tradicional sobrevive justamente das empresas que produzem esses venenos”. Sobre isso, ela lembra os mais de 300 produtos autorizados em apenas um ano pelo governo Bolsonaro. “Isso mostra que a saúde pública não foi uma prioridade, mas sim o lucro das empresas e os resultados econômicos”. Hoje, e em todos os tempos, entre todas as medidas para amenizar os efeitos maléficos dos agrotóxicos, a mais importante é sem dúvida a preservação dos mananciais, a partir de medidas para evitar que sejam jogados lixo e esgoto nos rios, além do uso de veneno em lavouras próximas. Precisamos de uma legislação rigorosa que proteja a água. Mas era pouco provável que algo nessa linha viesse a ser aprovado no governo passado. Como de fato não foi… Espera-se que neste governo haja uma mudança para melhorar ou pelo menos minimizar esta situação.

 

 

 

 

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