O maior roedor do mundo mantém uma rede de relações ecológicas com várias espécies de aves Capivara é animal comum nos centros urbanos.
Bruno Oliani / Inaturalist
Foco de repercussão constante depois dos casos de febre maculosa em São Paulo e casos virais em redes sociais, as capivaras tem um papel importante na mata, principalmente quando o assunto são as aves. A coluna ‘Histórias Naturais’ desta semana chama a atenção para a relação entre animais e como isso garante o equilíbrio entre eles.
As capivaras tem sido presença constante nos noticiários nos últimos meses. Primeiro, por conta de um animal retirado da natureza, mantido ilegalmente em cativeiro e tratado como um “pet”. O caso deu origem a uma série de notícias e discussões e mais discussões na internet. De um lado, as opiniões técnicas de especialistas, como biólogos e veterinários, explicando a importância do animal ser devolvido a seu habitat natural e seguir sua vida na natureza. Do outro lado, uma multidão de pessoas que pareciam ter sido formadas em algum curso rápido sobre capivaras que deve estar disponível na internet (contém ironia), defendendo com unhas e dentes que a capivara deveria continuar com a pessoa que a capturou na natureza.
Capivaras não são “pets”.
Simben / INaturalist
Mais recentemente, as capivaras retornaram massivamente ao noticiário por conta de diversos casos de febre maculosa no interior de São Paulo. Assim como os seres humanos e outros animais, as capivaras são hospedeiras do carrapato-estrela, que é o transmissor da febre maculosa. No entanto, por serem geralmente resistentes à doença, as capivaras acabam ajudando a dissemina-la entre os carrapatos e a mantê-la no ambiente. Outros animais, incluindo cavalos e até mesmo cães, podem atuar da mesma forma, mas na maioria das notícias recentes que têm sido veiculadas sobre a doença os holofotes são geralmente direcionados para as capivaras.
Mas se as relações entre nós primatas com o maior roedor do mundo andam polêmicas, com as aves as capivaras estão e sempre estiveram em paz e tranquilidade. Sabe aquele seu amigo que você leva para uma festa onde ele não conhece ninguém e até o final da festa ele fica mais amigos dos seus amigos do que você? Pois bem, o apelido dele poderia ser capivara. A capivara mantém uma série de parcerias com diversas espécies de aves, fazendo dela um dos bichos de pelo mais “queridinhos” entre os bichos de pena.
Capivara se adapta a diferentes ambientes, inclusive em áreas urbanas
Ernane Junior
Um estudo realizado em 2016 pela pesquisadora Giulia D’Angelo, em parceria com dois outros pesquisadores da Universidade de Campinas, deixou claro o quanto a capivara é bem quista entre a passarada. A pesquisa foi conduzida em um parque urbano em Campinas e teve entre seus objetivos avaliar quais espécies de aves estão associadas com as capivaras e o que motiva a nítida proximidade entre bichos tão distintos.
Entre os resultados da pesquisa, de cara chama atenção o fato que em mais da metade dos encontros dos pesquisadores com as capivaras, os simpáticos roedores estavam acompanhados por pelo menos uma ave. A amizade improvável entre aves e capivaras pode ser considerada “interesseira” de ambos os lados. De acordo com os pesquisadores, as aves se aproximam das capivaras com algum dos seguintes objetivos: utiliza-las como poleiro de caça; como batedores que afugentam presas; como atratores de moscas; ou para se alimentar de carrapatos e outros parasitas externos que afetam esses animais. Algumas aves também buscavam se alimentar “diretamente” das capivaras consumindo sangue ou tecidos doentes.
Capivara tranquila no Rio Pinheiros, em SP.
Carlos Henrique Dias /G1
Do outro lado, as capivaras se aproveitavam das aves, principalmente para controlar carrapatos e outros parasitas. Quando as aves estavam em busca de carrapatos, os roedores adotavam posturas que facilitavam às aves alcançar partes do corpo geralmente inacessíveis. Já quando as aves bicavam as feridas para tomar sangue ou comer tecido doente, as capivaras geralmente tentavam afastar as aves com movimentos bruscos. Quando feitas de poleiros ou atratores, as capivaras não se importavam com a presença das aves.
No parque urbano em Campinas, os pesquisadores registraram dez espécies de aves interagindo com as capivaras. Somados com espécies registradas em outros estudos, mais de 20 espécies de aves já foram registradas interagindo com capivaras. Entre as espécies com o maior número de interações com as capivaras está o carrapateiro (Milvago chimachima), espécie da família dos falcões que não por acaso possui esse nome popular. Mas além de utilizar a capivara como um self service de carrapatos, a espécie foi flagrada também utilizando o roedor como poleiro para caçar insetos e outros animais. O carcará (Caracara plancus), o anu-preto (Crotophaga ani) e o urubu (Coragyps atratus) também se destacaram entre as aves que buscaram carrapatos e outros parasitas nas capivaras.
Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente
Arte/TG
Já a lavadeira-mascarada (Fluvicola nengeta) e o suiriri-cavaleiro (Machetornis rixosa) utilizaram as capivaras principalmente como batedores para espantar insetos e também capturaram moscas que foram atraídas pelas capivaras. Aves aquáticas como a saracura-três-potes (Aramides cajaneus) e a galinha-d’água (Gallinula galeata) capturaram restos de vegetação aderidos ao peto das capivaras. Já a garça-branca-pequena (Egretta thula) capturou peixes espantados pelas capivaras quando elas mergulharam na água. Ou seja, a capivara é amiga das aves, literalmente, até debaixo d’água.
Mas apesar da capivara estar sendo frequentemente retratada como vilã, por conta da febre maculosa, esses animais são também nossos amigos. As capivaras estão nos avisando, infelizmente de forma trágica e fatal, que um dos resultados da destruição dos ambientes naturais e descontrole populacional de algumas espécies é o aumento de doenças e até mesmo o surgimento de novas doenças. Já dizia o ditado: “quem avisa amigo é”.
*Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente
