Com força agrícola e compromisso ambiental, Brasil pode liderar a transição global dispondo de modelos como ‘lavoura-pecuária-floresta’
Urge criar marco baseado na ciência, ampliar a produtividade com inclusão e expandir financiamento a pequenos produtores

É inevitável refletir sobre o papel essencial da comida em nossas vidas nesta quinta-feira (16), Dia Mundial da Alimentação. Vivemos um paradoxo: a agricultura produz comida suficiente para alimentar a população mundial, mas 2,4 bilhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar. O setor representa cerca de 10% do PIB global e um terço dos empregos, mas muitos produtores rurais vivem em situação de vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, os sistemas alimentares respondem por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa e dois terços do consumo de água no mundo.
Essa combinação de abundância e escassez torna a alimentação parte do problema climático e parte essencial de sua solução. Por anos, o tema ficou à margem das negociações climáticas. No entanto, sem transformar a forma como produzimos, será impossível cumprir a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
Fazenda Gamada, em Mato Grosso, que aplica o método ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta) – Gabriel Cabral – 7.dez.2017/Folhapress
A COP30, em Belém, representa uma oportunidade histórica. Pela primeira vez, uma grande economia agrícola sediará uma conferência do clima, dando voz a agricultores, pecuaristas e produtores nas discussões globais. É o momento de colocar os sistemas alimentares no centro das estratégias climáticas.
A transformação já começou. Da integração lavoura-pecuária-floresta na América Latina à irrigação eficiente na Ásia e à agrofloresta na Europa, produtores adotam práticas de conservação. Iniciativas como o Soil and Water Outcomes Fund, nos EUA, e a Great Green Wall, na África, mostram que é possível regenerar terras e reduzir emissões. Com força agrícola e compromisso ambiental, o Brasil pode liderar a transição global. Segundo a Embrapa, sistemas integrados de lavoura já ocupam 17 milhões de hectares, permitindo que fazendas colham até três safras anuais e recuperando solos com mais produtividade e resiliência.
A pecuária também pode ser parte da solução. Um estudo da FGV e da consultoria OCBio mostrou que quase um terço das fazendas analisadas removeu mais carbono do que emitiu, resultado de manejo adequado, ganhos de produtividade e ausência de desmatamento. Um exemplo é a Fazenda Roncador, em Mato Grosso, onde áreas degradadas foram restauradas com sistemas integrados.
O desafio agora é ampliar o alcance dessas soluções. Para isso, são necessários três movimentos. Primeiro, um marco global baseado na ciência, com métricas claras, simples e adaptáveis, com resultados verificáveis que orientem políticas e investimentos. Segundo, ampliar a produtividade com inclusão, garantindo que pequenos produtores tenham acesso a tecnologia, capacitação e crédito. Terceiro, expandir mecanismos financeiros de proteção a pequenos produtores, que recompensem serviços ambientais, como a captura de carbono, a conservação da biodiversidade e a proteção dos recursos hídricos.
Iniciativas como os Escritórios Verdes da JBS mostram como isso pode acontecer na prática. Esses centros oferecem assistência técnica gratuita a produtores, ajudando-os a cumprir requisitos ambientais, recuperar áreas degradadas e melhorar a produtividade. Desde 2021, mais de 20 mil propriedades já foram atendidas.
Como chair do grupo de trabalho de sistemas alimentares da Sustainable Business COP (SBCOP), coalizão global que reúne empresas e instituições dedicadas à sustentabilidade, tenho acompanhado o avanço de soluções como essas. Nosso papel é dar visibilidade a bons exemplos e incentivar sua replicação.
A sustentabilidade não é um objetivo para o futuro, é um desafio do presente. Governos, empresas, produtores e a sociedade precisam agir juntos. As oportunidades são imensas, as evidências estão à vista e os exemplos já existem. Falta vontade coletiva para aplicar boas práticas e fazer da produção sustentável de alimentos a nova norma global.
A comida sempre nos conectou. Agora, deve nos unir em torno de um propósito maior: alimentar o mundo sem esgotar o planeta.