Às voltas com mais um escândalo, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) precisa explicar por que usou R$ 2,3 milhões de dinheiro público para beneficiar uma propriedade privada ligada à Igreja Universal do Reino de Deus no município de Irecê, Bahia. Recursos para obras de pavimentação, mostrou reportagem do GLOBO, foram destinados a pedido do deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), bispo da Universal, por meio de emenda da bancada baiana.
Conhecida no governo Bolsonaro como feudo do Centrão e paraíso do orçamento secreto, destino de verbas obscuras para obras não menos obscuras, a Codevasf se transformou numa fábrica de problemas. Em julho do ano passado, a superintendência da estatal no Maranhão foi alvo de uma operação da Polícia Federal que investigou fraudes em contratos de obras e lavagem de dinheiro. Com a chegada de Lula ao governo, a Codevasf continuou em seu caminho errático, servindo de cabide de empregos a apaniguados e parentes de políticos influentes sem dar a mínima para o interesse público
Agora, as denúncias recaem sobre a Fazenda Canaã, registrada em nome da Associação Beneficente Projeto Nordeste, dirigida por bispos da Universal. Ela foi comprada na década de 1990 por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), ex-prefeito do Rio e atual deputado. Nas propagandas políticas de Crivella, a Canaã sempre ocupou lugar de destaque, tratada como exemplo que poderia servir a outras regiões.
Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a Codevasf doou à associação que administra a propriedade uma retroescavadeira, duas caminhonetes e uma van compradas com dinheiro público. O asfaltamento de 25 mil metros quadrados de ruas foi concluído em abril de 2022. Em março deste ano, uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) detectou irregularidade no uso de recursos do Orçamento para beneficiar uma fazenda privada.
Os argumentos usados pela Codevasf não convencem. A companhia alegou que a instituição beneficiada presta serviços sociais, sem fins lucrativos, e “assemelha-se a caráter público”. O projeto social, que oferece atividades educacionais e esportivas a crianças, é mantido por instituto ligado a Edir Macedo, fundador e autoridade máxima da Universal. Apesar da explicação, a própria Codevasf afirmou que “tal tipo de situação não se repetirá”.
O governo deveria pedir ressarcimento dos recursos usados numa propriedade privada para que eles possam ser destinados a áreas onde são realmente necessários. Não se questiona o valor do trabalho social desenvolvido pela instituição, mas os administradores devem buscar outras formas de mantê-lo. O episódio expõe mais uma vez o problema das obras feitas sem transparência, caraterística que define a Codevasf, estatal voltada mais para atender a interesses paroquiais dos parlamentares — sabe-se lá a que custo — que às legítimas demandas dos contribuintes que a financiam.