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A tragédia anunciada e o papel do Estado

As cenas da catástrofe no Rio Grande do Sul são tristes e chocantes. Provocam sentimento de pena em relação à população desamparada que sofre as consequências de um evento climático que já não é mais tão imprevisto.

O socorro do governo federal demorou alguns importantes dias, mas está sendo traçado em conjunto com o governo estadual. Petistas, no plano federal, e tucanos, no estadual, se unem para tentar remediar uma tragédia de enormes proporções. Está claro que cabe ao Estado nas três esferas da federação assumir a frente na assistência à população. Porém, esta constatação já não parece tão óbvia após o último ciclo eleitoral no país.

Na última eleição, como justificativa da decisão no voto no então presidente Jair Bolsonaro, ouviu-se repetidamente que Lula significaria um Estado grande e intervencionista. O capitão, ao contrário, significava um Estado eficiente e menor. Estas afirmações estavam tão deslocadas no tempo que mais pareciam uma tentativa de parte do eleitorado de criar uma justificativa para um voto que, de outra forma, já estava decidido de antemão. Afinal, Paulo Guedes que lá estava como símbolo máximo dessa perspectiva liberal démodé estava quase escanteado e tinha pouca projeção nas decisões do governo ao final do mandato.

A discussão sobre “Estado grande vs Estado mínimo” foi acalorada durante a década de 1990. O neoliberalismo do Consenso de Washington estava em voga na época, e reformas que enxugavam o Estado foram feitas em praticamente todo o mundo que buscava algum apoio monetário do FMI e de credores internacionais. Privatizações e reformas previdenciárias eram palavras de ordem. Mas, tal consenso, se de fato houve, com o tempo se desfez.

Acadêmicos de várias perspectivas diferentes, entre eles economistas liberais como Joseph Stiglitz, mostraram que o ponto não é o tamanho do Estado em si, mas como mercado e Estado se integram no oferecimento de bens e serviços à população. Restou apenas aos libertários defender a completa ausência de Estado em uma argumentação que beira o absurdo, mas que ainda se encontra atualmente.

Porém, este tema voltou sob outra roupagem em anos recentes fora do país. E o mais grave é este debate ter sido retomado aqui no Brasil em 2022. Em terras brasileiras, ele se iniciou em 2018, e a vitória de Bolsonaro criou espaço para isto.

Por exemplo, a preocupação com a economia, manifestada pelo ex-presidente em seu governo para justificar a inação diante da óbvia necessidade de lockdown durante o combate à pandemia, e um discurso ultrapassado contrário a um Estado grande criaram um motivador para decisões políticas. Este olhar está presente na ação de diversos políticos no país hoje.

Muitos parlamentares de partidos declaradamente à direita retiraram investimentos públicos em ações preventivas de catástrofes como a gaúcha, segundo o Observatório do Clima. Há posicionamento no sentido de excluir do Estado a capacidade de atuação em diversas áreas, e na ambiental em particular. O ex-ministro Ricardo Salles é o exemplo máximo desta perspectiva. Mas há mais do que ideologia neste caso.

Poucos parlamentares das duas últimas legislaturas, inclusive dos partidos de esquerda, enviaram emendas orçamentárias à programas que pudessem contribuir para prevenir acidentes como os que vemos hoje. Há uma outra camada para além da perspectiva sobre a atuação do Estado que motiva as decisões dos parlamentares brasileiros.

Um político age com base em diferentes motivações. Teoricamente, a ciência política identifica, dentre elas, o interesse particular em certas políticas públicas e a preocupação com agradar ao eleitor. Gastos com prevenção de acidentes ou com manutenção em geral são pouco notados pelos cidadãos e a pauta ecológica não é a preferência da absoluta maioria dos parlamentares. Isto gera menor incentivo à decisão necessária.

Prevenção de catástrofes ambientais como as de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, por exemplo, dependem de fiscalização, de avaliação constante etc. Custam vidas, mas são facilmente negligenciadas. Quando aparecem no debate público, é porque se acumulou omissão por longos períodos.

Todo este contexto implica em ter acompanhamento constante para evitar que outra catástrofe aconteça. Claro, as mudanças climáticas estão criando novos contextos. Ainda que não sejam tão atípicas porque estão se repetindo, não são facilmente antecipáveis. Um Estado capaz de dar conta disto é a alternativa que temos.

A experiência recente da pandemia que atravessamos, condenando à morte centenas de milhares de brasileiros, poderia ter protegido o país deste discurso arcaico e fora de lugar sobre “Estado grande” novamente. Afinal, poderia ter o efeito de mostrar que são as políticas de Estado que nos salvam em momentos trágicos.

As calamidades climáticas que estão se tornando corriqueiras precisam de prevenção, com uma atuação constante e atenta. Um outro claro exemplo de atuação de um Estado capaz. À população, cabe também reivindicar e punir os responsáveis. Só assim incentivos corretos podem ser organizados para que a ação do agente público, eleito ou não, aconteça na direção certa. Os efeitos das mudanças climáticas já estão custando vidas e não é de agora. É preciso reivindicar uma atuação pública que consiga fazer frente às necessidades da população brasileira, antes que as tragédias aconteçam.

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